Cine Ceará – Parte VI

Quintal (Idem, Brasil, 2015)
Dir: André Novais Oliveira

 

O projeto de cinema conduzido pelo mineiro André Novais Oliveira, especialmente alinhado com o curta Pouco Mais de um Mês e o longa Ela Volta na Quinta, tem algo de muito original na maneira de entrecruzar realidade e ficção. O diretor usa não só seus pais, irmão, namorada e ele próprio como personagens que interpretam a si mesmos, como também traz toda uma carga afetiva autorreferencial para seus filmes. Assim, alcança um grau de naturalismo muito particular.

No entanto, para quem acompanha a carreira do cineasta, fica a questão de até que ponto ele vai girar em torno das mesmas propostas (e até quando isso vai continuar funcionando tão bem). Pois Quintal, seu novo curta-metragem, é uma bela resposta a essa preocupação. Estão lá os mesmos artifícios naturalistas e familiares, seus pais mais uma vez como casal num dia trivial em casa. Mas agora André inclui dois elementos novos, e quase opostos: a comédia absurda e o fantástico.

Ele não só amplia seu leque de possibilidades narrativas, como harmoniza muito bem propostas que pareceriam estranhas em comunhão. Eis que no meio de uma tarde tranquila, um portal mágico-sideral-intergaláctico se abre no quintal da casa. O pai assiste a um filme pornô e a mãe telefona para um político corrupto. O filme se abre com uma facilidade imensa para o nonsense, articulando situações que buscam complexificar aqueles personagens, sem tentar fazer muito esforço pra isso. Consegue, no meio do caminho, causar muito riso, o filme é hilário.

Com isso, o cineasta dá um passo adiante na proposta cinematográfica que se empenha em fazer, demonstrando segurança na direção e habilidade em criar momentos de puro timing cômico. O filme funciona muito bem com o público, mas é preciso se entregar ao absurdo da coisa. O resultado é recompensador.

 

Feio, Velho e Ruim (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Marcus Curvelo

 

Feio, Velho e Ruim é o tipo de curta rápido, sintético (são 8 minutos), mas que parece encerrar muitas discussões interessantes, sem direcioná-las ao certo, sem lhes ser taxativo também. Perpassa por questões como vaidade, solidão, a ânsia contemporânea do registro imagético do eu, o culto da própria imagem, a busca incessante do melhor de si.

Mas me parece clara que a maior observação do filme recai sobre a auto-definição, ou antes, a necessidade de se auto-dizer, afirmação egocêntrica de quem tenta dar conta de quem se é num dado instante. Existem dois momentos em que o protagonista do filme, sozinho em seu quarto, voz em off, se autorrotula, primeiro de forma sempre positiva, depois negando tudo. Entre essas cenas, uma outra, casual, mostra fotos dele na infância, desbotadas e antigas, com o off de uma conversa ao telefone com a atendente de um serviço bancário.

O curta pegou a alcunha de filme-selfie não só porque seu personagem busca fazer um retrato de si (em palavras e fotos), mas por ser representante de um tipo de narrativa tão comum atualmente de muita gente que se filma, mostra seu ambiente doméstico, expõe aqueles que lhe são próximos, abre o baú de memórias pessoais livremente e faz disso filme, sejam eles documentais ou ficcionais.

Num momento em que tanto se faz e se fala voltando-se para si mesmo, Feio, Velho e Ruim parece querer dizer que melhor nos definimos quando não o pretendemos. As imagens pessoais da infância do personagem (o próprio diretor do filme), ressignificam o próprio uso das fotos caseiras antigas que tanto aparecem em muitos filmes atuais. Elas e uma discussão ao telefone, sem o controle do auto-desmando, de alguma forma, representam de forma mais sincera quem se é de fato, sem poses ensaiadas ou filtros da moda.

 

Choclo (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Caetano Gotardo

 

Mais um exemplo de filme que se constrói através do registro pessoal, Choclo parte para o campo do íntimo, uma espécie de confissão poética que revela o brotar de uma paixão, exalando atração a cada segundo. Aqui, o diretor Caetano Gotardo filma seu companheiro, o também cineasta Gustavo Vinagre, por quem não parece conseguir parar de olhar.

Se o texto recitado em off, poema escrito pelo próprio diretor, parece a coisa mais interessante aqui – porque nos faz construir mentalmente cenas e momentos de uma relação a dois que se inicia, nas casualidades dos encontros cotidianos – o filme, como um todo, fica como que refém dessa poeticidade.

Fora disso, as imagens, ainda que reveladoras desse não-deixar-de-olhar, possuem algo de aleatórias. Mesmo quando elas revelam algo do íntimo, os corpos nus na cama, não estão ali como um propósito intencional – nenhuma delas parecem ter sido feitas com esse objetivo. De qualquer forma, o filme não deixa de soar como um experimento sincero de lidar com uma nova relação que fala mais alto ao próprio diretor.

 

O Lugar Mais Frio do Rio (Idem, Brasil, 2014)
Dir: Madiano Marcheti
 

Não parece das ideias mais originais: certo conflito pessoal de alguém mostrado a partir da tela do computador, da navegação entre páginas que todos nós fazemos cotidianamente. Numa delas, o Skype aberto e a possibilidade de uma conversa, que nos desenha ali uma história anterior que vamos preenchendo mentalmente. Não é completa para o personagem, muito menos para o espectador – nem há essa preocupação.

O filme funciona como um trecho colhido do dia a dia, aleatoriamente, mas pega o personagem em certo entrave que não se resolve por conta de alguém do outro lado da tela. Transforma essa incerteza, essa inclompletude, em dor.

Se não soa como novidade, o filme tem algo de singelo na maneira como coloca em questão certo sofrimento. Mesmo quando, no final, escolhe-se uma música que parece traduzir, ipsis litteris,um sentimento momentâneo – algo que soaria muito frágil em termos de construção de roteiro –, a escolha ganha vigor por demonstrar ser tão sincero e objetivo, sem querer esconder sua natureza.

 

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