Curtinhas

Leonera (Idem, Argentina/Coreia do Sul, 2008)
Dir: Pablo Trapero

Pablo Trapero continua se mostrando um exímio observador, algo comprovado no ótimo A Família Rodante. E também no bom Do Outro Lado da Lei, filme que dialoga bem com Leonera pois é sobre as agruras e deficiências da organização policial argentina (vista pelo lado dos próprios policiais). Aqui, encontramos muitas críticas ao sistema carcerário do país (além de reflexões sobre os meandros da Justiça naquele país), embora não seja exatamente esse o foco do filme. A narrativa está mais concentrada na trajetória de Julia (Martina Gusman), mulher que é presa acusada de assassinar o namorado e de ferir gravemente o amante dele (!?!). Leonera é um filme de concessões, pois, assim como a protagonista, nunca sabemos se ela é culpada ou não e de como se deu o incidente. Mais importa ao cineasta acompanhar o longo período dela no cárcere, principalmente porque está grávida. Assim, surge um dos grandes estranhamentos do filme: o ambiente da prisão adaptado para o convívio e criação de crianças. Martina Gusman é uma intérprete perfeita para uma personagem aparentemente frágil, mas disposta a tudo para ficar ao lado do filho. Uma leoa.

Olhar Estrangeiro (Idem, Brasil, 2006)
Dir: Lúcia Murat

O documentário Olhar Estrangeiro tenta fazer um apanhado de filmes internacionais antigos que utilizavam e vendiam uma imagem do Brasil enquanto cultura de exportação a partir de suas idiossincrasias e exotismo. O resultado é uma reunião de pérolas em que diretores, roteiristas e atores internacionais proferem uma série de inverdades e estereótipos da imagem brasileira depois de terem realizados filmes que se passavam aqui no País do carnaval. E o pior é que para os estrangeiros fazem o maior sentido que as mulheres só andem de topless na praia, que nossa língua seja o espanhol, que a cidade se misture à selva e que haja uma praia na cidade de São Paulo, dentre tantos absurdos. Paralelo a isso, a diretora perguntou às pessoas nas ruas de cidades européias que palavras vinhas em suas mentes quando se falava em Brasil. Não é surpresa que as respostas giram em torno de: bunda, carnaval, praia, etc. O único problema da produção é a tentativa da diretora em reafirmar nossa imagem a partir da aceitação do outro, do de fora, e não de nós mesmos. Ainda assim, Olhar Estrangeiro é o tipo de documentário feito para brasileiro assistir, ou pelo menos se mostra mais interessante para nós porque reconhecemos facilmente os absurdos que são proferidos e também para nos darmos conta de como a imagem de um país abaixo da linha do Equador pode ser difundida entre as “grandes” nações do mundo.

O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Stripped Pyjamas, EUA/Inglaterra, 2008)
Dir: Mark Herman

O argumento do filme é ótimo: garoto se muda com a família para uma região próxima a um campo de concentração e, em contato com os prisioneiros judeus, estranha que eles usem o tempo todo um pijama listrado. Na Alemanha nazista da Segunda Grande Guerra, a história se desenvolve a partir do olhar inocente do pequeno Bruno (Asa Butterfield) e de sua inesperada amizade com um garoto judeu aprisionado, o frágil Schmuel (Jack Scanlon). Temos então mais um filme que se utiliza da perspectiva infantil para abordar assuntos sérios, como já foi realizado em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, Machuca e A Culpa é do Fidel!. Uma pena que o filme inglês não possua o mesmo tato dos anteriores e acabe esbarrando no maniqueísmo (o pai é o nazista perverso, a mãe é a mulher solidária e contrária ao extermínio). Há cenas em que um velho judeu é maltratado, usado como empregado e ainda surrado durante um jantar, numa tentativa grosseira de inspirar pena no espectador. A coisa piora no final fatalista e forçado, como forma de castigar os “malvados” a partir do sacrifício dos inocentes e ainda por cima soar emocionantemente triste. Há quem compre a idéia, e há quem fica com pé atrás. Estou no segundo grupo.

7 thoughts on “Curtinhas

  1. Eu gostei muito de “Leonera”. Achei um filme muito bem conduzido, com uma ótima performance da atriz principal e com uma história que causa empatia de cara. Você não julga a personagem pela situação em que ela colocou o filho ou pela decisão final dela.

    Eu tenho muita curiosidade de ver “O Menino do Pijama Listrado”. Li ótimos comentários sobre ele, mas, ao mesmo tempo, tenho medo de ser um daqueles filmes manipuladores.

  2. Gosto muitissimo de Leonera, de longe o melhor filme de Trapero (embora nao tenha visto seu primeiro, Mundo Grua) e um dos meus preferidos do ano passado. O trabalho de camera, esquadrinhando aquela prisão, é de um senso estetico impressionante. Uma pena que a Fox cancelou o lançamento em dvd no inicio do ano e so o lançara daqui a um mes ainda…

    Nao vi Olhar Estrangeiro (nem tenho vontade), mas me coloque no terceiro grupo em relaçao ao pijama listrado: os que ficam com os dois pés atras. Parece aquelas produçoes feitas pra tv, sem um minimo de criatividade e caprichando no pieguismo. Convenhamos, acho que tirando o Mike Leigh, o cinema ingles é uma bomba atras da outra.

    Abços!

  3. Quero muito ver Leonera, especialmente pelas críticas positivas. Do Trepero só vi Do Outro Lado da Lei, que achei apenas bom …
    O Menino do Pijama Listrado é um filme que assistirei com um certo preconceito, sou meio resistente a essa transformação do Holocausto em uma espécie de gênero cinematográfico …
    Por fim, fiquei interessado demais nesse documentário da Murat. Onde você conseguiu assistir?

  4. A-ha! Acho que a sua resenha do menino do pijama listrado se aproxima mais do que eu acharia se visse o filme! Esse Leonera tá todo mundo falando bem. Onde eu estava que nem ouvi falar sobre?

    Abs!

  5. Eu também gostei de “Leonera”, embora eu não tenha gostado de como a história termina e pelo fato de nunca sabermos se a protagonista foi acusada por algo que cometeu ou não. Já sobre “O Menino do Pijama Listrado” eu sou do grupo que compra a idéia do filme, pois eu o achei ótimo e extremamente tocante.

    Abraços, excelente semana!

  6. Muito bom Diego, um tipo de cinema mais de observação. Recomendadíssimo.

    Realmente Kamila, em Leonera não há julgamento da personagem, mas a observação de seus atos naquelas situações-limites. Martina Gusman está grande. E de fato, O Menino do Pijama Listrado pende para o manipulador, embora tenha uma ideia inicial tão boa…

    Hélio, também não vi esse do Trapero nem Nascido e Criado, e embora não ache Leonera um filme excepcional, gosto bastante da forma como ele filma e do senso de observação sem julgamentos. Olhar Estrangeiro pode ser falho, mas vale a pena uma conferida. Já O Menino do Pijama Listrado é desses que causam aversão em muita gente mesmo, entendo perfeitamente.

    Wallace, Leonera consegue ser melhor que Do Outro Lado da Lei, não perca a oportunidade de vê-lo assim que puder. O problema em O Menino do Pijama Listrado não é nem a temática do Holocausto, mas a tentativa de manipulação barata através do drama de criancinhas. Isso é golpe baixo. Já Olhar Estrangeiro eu assisti em um cineclube aqui em minha cidade, mas não acho que seja difícil de encontrar nas locadoras.

    Talvez Dudu, mas veja o filme porque sua percepção pode ser diferente. E você não ouviu falar de Leonera? É, teve um lançamento fraco no final do ano pasado, mas é uma ótima produção desse fresco cinema argentino.

    Ok Alex, mas são justamente essas dúvidas que enriquecem o filme. A gente tá muito acostumado pelo cinemão norte-americano a receber as coisas prontas, com respostas exatas e acabadas. O Trapero investe no caminho oposto e nos põe em xeque. Acompanhar os desacaminhos da protagonista é angustiante mas ao mesmo tempo pomos a mão no fogo por ela. E também discordamos sobre O Menino do Pijama Listrado pois acredito que o filme é descaradamente piegas. Boa semana pra ti também!!!

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