Pobreza de espírito

Nosso Lar (Idem, Brasil, 2010)
Dir: Wagner de Assis

Não parece ser fácil escrever sobre Nosso Lar porque o filme não foi feito para alimentar discussões cinematográficas. Não mesmo. E se tenta convencer pelas suas características narrativas, há de se notar um tom moralista que põe muita coisa a perder. O filme é o porta-bandeira de uma doutrina que vende muitas ideias que podem soar absurdas, para não dizer constrangedoras, a olhos não acostumados com os preceitos do espiritismo.

Mesmo assim, não dá para isentar o filme de tantas críticas pelo simples fato de se tratar de um material altamente parcial e feito para agradar um tipo específico do público (que tem lotado as salas de cinema e fazendo do filme o mais recente sucesso de bilheterias). E aí, inevitavelmente, se esbarra no problema daqueles que não aceitam críticas ao filme, pois retrataria com “fidelidade” os dogmas de uma doutrina, ainda mais quando estamos falando de preceitos religiosos.

Mas o pior de tudo não é ter de aceitar as ideias que o filme pretende vender com seu moralismo do bem, suas saídas fáceis para o caminho do bem e da salvação, sua construção portentosa de um mundo perfeito no além, engordado por quilos e quilos de CGI. No fundo, não é preciso aceitar conceitos, mas pelo menos entendê-los e respeitá-los, por mais bobos que possam soar.

O grande problema do filme reside, para mim, numa dramaticidade pobríssima, diretamente proporcional à quantidade de lições de moral que o filme cospe a cada novo passo que o protagonista dá em sua “jornada”. Que me perdoe o Chico Xavier, mas o texto é péssimo (não conheço o material original).

Junta-se a isso atores totalmente mecanizados, a começar pelo protagonista Renato Prieto, tão teatral quanto forçado (os veteranos, claro, são os que melhor se saem bem, como Othon Bastos e Paulo Goulart, sempre cheios de dignidade, e um surpreendente e sereno Fernando Alves Pinto).

Como se não bastasse, e com intuito de elevar o filme ao plano de grande obra cinematográfica, o visual é portentoso, fazendo valer os R$ 20 milhões de reais investidos na obra. Nada contra, se existe ali uma funcionalidade maior do que se exibir, embora cansem pelo exagero (lembrar que os efeitos foram finalizados em Toronto).

Ainda pecando pelo fato de ser didático demais, com um excesso de voz over, o filme parece querer apresentar suas ideias às pessoas (principalmente os não espíritas). Ou seja, um filme-panfleto que peca nem tanto por seu caráter “massageador de ego” dos espíritas convictos, mas por ter esquecido o fator cinema e sua validade artística.

7 thoughts on “Pobreza de espírito

  1. Até dois meses atrás em nem sabia do que este "Nosso Lar" se tratava. De fato, parece estar vinculado apenas a uma parcela de público. Não espero por absolutamente nada. Ainda mais se avaliarmos a "carreira" do cineasta Wagner de Assis, que fez "A Cartomante" (um dos filmes nacionais mais constrangedores de todos os tempos) e escreveu dois ou três roteiros por filmes protagonistados pela Xuxa.

  2. Conversaremos, Alan.

    Alex, também foi uma surpresa quando soube do filme, nas verdade, vendo o trailer no cinema e achei estranhíssimo que um filmes com aquele "porte" fosse nacional, mas que só estava gerando comentários a partir daquele momento. Uma pena que seja um projeto tão partidarista.

  3. Caro Crítico,
    Creio que o objetivo não era te agradar, ou agrada à crítica de cinema.
    Não há problema se para os críticos o fator cinema foi esquecido pois o mais importante é justamente esta independência do status quo atual.
    Filme bom, hoje em dia, é o que amigo? Ator bom é qual?
    O mundo retrata violência gratuita, sexo banal, anarquias morais no trato com dinheiro, influências políticas, família, fé, em geral uma distorção de valores.
    Foi ótimo que o filme não te agradou amigo pois este é um sinal de que o filme cumpre sua tarefa. Se tivesse te agradado eu ia ficar bem chateado.
    Talvez você goste mais do Hereafter que vai se lançado ano que vêm e terá Matt dirigido pelo Clint, porém, vendo o trailer, observei que será "irreal", ou seja, bem ao gosto da cinematografia ignara atual.
    Nosso Lar, para um público muito grande, levando-se em conta o tema tratado, levando-se em conta que não tinha mulheres nuas, não se valorizavam caráteres venais, não se glorificava artistas pop, atores estrelas do personalismo, não massageava o ego de ninguém, nem dos espíritas como você erroneamente citou, foi um filme excelente, grandioso marco que colaborará para mudar os parâmetros adoecidos da sociedade atual.

  4. Roberto, não precisa me chamar de crítico (ainda mais com letra maiúscula). O máximo que escrevo aqui são resenhas de filmes, impressões ordenadas sobre as questões que me encantam/incomodam/despertam no cinema. Sendo assim, meus textos seguem um raciocínio muito subjetivo e pessoal, adicionados de alguns poucos conhecimentos sobre cinema. Concordo plenamente que o objetivo do filme não é me agradar, claro (o filme não foi feito para mim), nem para agradar à crítica porque, está claro, esse não é o intuito da obra (e devemos sempre desconfiar de um projeto que tenta comprar a crítica com um estilo certeiro).

    Pode não ser importante para o filme o fator cinema, mas para mim, para o resenhista ou o crítico, isso conta e muito. E aí temos o grande cerne da questão: cada um pode lançar um olhar específico para um filme (que pode servir às mais variadas funções) e quando o resenhista/crítico se debruça sobre a obra, essas questões devem ser levadas em consideração. Isso me interessa enquanto investigação da linguagem, enquanto proposta artística, enquanto valor cultural. No caso de Nosso Lar, a coisa se complica um pouco porque o filme não foi feito com esse intuito; mas é cinema, se propõe a ser cinema, e serve a essa investigação. O que acho que a gente não pode negligenciar é considerar essas questões, é ter em mente essas particularidades do filme.

    Respondendo sua pergunta, filme bom, para mim, é aquele que me movimenta, me acrescenta, me apresenta um valor artístico, uma momento de alegria pela linguagem audiovisual estar sendo bem empregada, um sentimento de contentamento. Ator bom é aquele que sabe ser outro, que nos faz esquecer que ali está um ator.

    Outra coisa, se o mundo retrata violência gratuita, sexo banal, anarquias morais no trato com dinheiro, influências políticas, família, fé e distorção de valores, acho que o cinema pode ser um ótimo veículo para denunciar e discutir essas questões. E caso o filme não queira tratar disso, tudo bem também, é uma questão de escolha. Se o cinema quer falar de religião, de fé, que seja, sem problemas.

    Só não entendo por que você achou ótimo que o filme não tenha me agradado. Foi essa a função, me desagradar? Eu queria ter gostado do filme, mas se ele apresentasse os fatores que citei acima. Infelizmente, não foi dessa vez. Agora só porque eu não gostei do filme que você gostou, não precisa me desejar mal, Roberto. Tira o ódio do coração, rapaz. Se você gostou do filme, fico feliz porque você conseguiu encontrar valor ali. E disso, eu não posso nem devo interferir. Agora, se eu não gostei, paciência! Só fico triste com esse tipo de colocação que você faz, pois somente porque o filme alcançou grande sucesso e porque você gostou enormemente do projeto, parece se tornar difícil para você aceitar a opinião contrária de outras pessoas.

    Mas o que não consigo considerar é que o filme não tenha sido feito para um público muito específico, até porque o fator cinema deixou muito a desejar, para mim isso está muito claro. Acabou que se tornou um grande sucesso de público que comprou a ideia. E o fato de um filme ter mulher nua, não significa que ele deve ser desprezado por isso (e o menos se aplica ao inverso). E eu ainda não consigo vislumbrar de que forma Nosso Lar vai ser capaz de modificar os parâmetros adoecidos da sociedade atual. Só se todos morrermos juntos e formos direto para aquele lugar tão iluminado.

    Sobre Hereafter, do Eastwood, saiba que eu gosto muito do diretor, embora seus últimos filmes não tenham me agradado tanto. Mas tenho muita curiosidade de ver seu mais novo trabalho (verei qualquer filme dele) e caso eu goste muito, fazer o que? A gente não escolhe o que gostar, o filme é que tenta no encantar. Se ele conseguir, ótimo. Caso não, como em Nosso Lar, só posso lamentar.

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