Olhar de Cinema – Parte I

Operação Avalanche (Operation Avalanche, EUA, 2016)
Dir: Matt Johnson

 

O tema da Guerra Fria e as especulações sobre as farsas e alfinetadas entre Estados Unidos e a então União Soviética já renderam filmes densos e provocativos, além de uma série de análises de especialistas. O diretor norte-americano Matt Johnson transforma essa polêmica em paródia política no espirituoso Operação Avalanche, filme que abriu com entusiasmo a programação do Olhar de Cinema, em Curitiba.
O longa é estruturado como falso documentário que acontece na segunda metade da década de 1960 quando se intensifica a corrida espacial, e as missões de ambas as potências pretendem chegar primeiro à lua. Acompanhamos um time de agentes da CIA que, disfarçados de uma equipe de cinema, pretendem encontrar um agente soviético infiltrado. Mas vão acabar embarcando na louca aventura de forjar as imagens da chegada do homem à lua.
Há um carisma inicial gerado por esse grupo um tanto atrapalhado, o que faz o filme se inclinar para um humor um tanto bobo, mas que funciona como proposta mesmo de formatar um tom descontraído. Há momentos deliciosos como quando eles visitam o set de filmagens de Kubrick em 2001 – Uma Odisseia no Espaço justo para copiar a maneira com que a equipe reproduz a superfície lunar: piscadela de olho para o famoso boato de que foi o grande cineasta norte-americano que filmou as “verdadeiras” cenas da conquista humana na lua, ludibriando o mundo.
O filme aposta muito na dinâmica entre essa equipe destrambelhada, em especial nas investidas e ideias improvisadas do “líder”, Matt Johnson, vivido pelo próprio diretor do filme que tem esse mesmo nome. Na verdade, todos da equipe interpretam, dentro do filme, as funções que eles assumem, de fato, por trás das câmeras, nessa farsa sobre a construção de uma farsa, dessa vez histórica, global – ou seria o cinema a maior farsa da história da humanidade?
Talvez justamente por essas camadas sobrepostas de encenação e falseamento, e pela própria história que decide contar, o filme possa ser lido como uma espécie de estatuto da imagem cinematográfica enquanto essa mentira a 24 quadros por segundo, falseamento natural que a imagem sempre será, caso não nos limitemos a enxergar o filme somente como pura comédia despretensiosa – o que não é nenhum mal a priori.
Por trás da chacota, o filme se formata através de um intricado jogo de imagens que não escondem o seu “amadorismo”, mas que também não deixa escapar nenhum detalhe importante para contar bem a história. Podemos enxergar no engano da imagem granulada a textura “real” que marca uma época, mas também o artifício que faz dela confiável perante os olhos do espectador atual que embarca nesse jogo perigoso e prazeroso de crer na fabulação das imagens.
O trajeto que leva esses jovens à realização da proeza cinematográfica – e em certo sentido cinéfila – também está repleto de conspirações políticas, conchavos, segredos sobre os segredos, o que transforma o filme, na sua parte final, numa espécie de thriller de espionagem com um pouco mais de empolgação – uma dada sequência de perseguição de carro é magistralmente orquestrada e encenada. Operação Avalanche capricha nessa reprodução de época e da farsa, sem se deslumbrar com ela.

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