O Preço da Verdade – Dark Waters

O longo caso jurídico que levou aos tribunais a DuPont, empresa de produtos químicos acusada de poluir o ar e reservas naturais de água, provocando a incidência de doenças graves e deformação de pessoas e animais, é emblemático dentro do Direito. É um ponto de reverso em relação às políticas de permissão de uso e despejo de substâncias químicas na natureza.

Rob Bilott (Mark Ruffalo) era um jovem advogado, recém promovido, que se depara com as insistentes demandas de um fazendeiro que insiste que seu gado está morrendo envenenado, algo fora do normal. É Rob quem leva adiante o caso, arriscando sua própria carreira e reputação – afinal, não é nada fácil lutar contra as grandes corporações –, o que faz de O Preço da Verdade essa luta entre Davi e Golias.

Não há nada de muito novo dentro das narrativas de tribunais e disputas judiciais que se travam aqui, com ênfase nessa jornada heróica em que Bilott enfrenta a todos, mesmo os seus companheiros e superiores na firma de advocacia, a fim de angariar apoio na empreitada que ele, timidamente e com certo temor, resolve aceitar. Estão na jogada também a família, com uma jovem esposa (Anne Hathaway) e filho pequeno que têm a rotina posta em cheque por conta dos riscos financeiros, das oportunidades outras que parecem se fechar para Rob.

Ou seja, está tudo dentro do planejado para esse tipo de história, desde os ganhos e as perdas que se experienciam nesse tipo de caso judicial espinhoso, até os conflitos familiares e as grandes cenas de briga a quatro paredes, tal qual uma cartilha dos grandes dramas que consomem o homem médio nas principais esferas de vida. O Preço da Verdade é esquematizado dentro de uma estrutura facilmente reconhecida, sem grandes sobressaltos, ainda que conduzido com certa cadência narrativa.

A surpresa mesmo é que a direção do filme está a cargo do (agora quase) sempre ótimo Todd Haynes. É certo que ele está longe da sua zona de conforto que são os melodramas mais sofisticados, mas é mesmo desapontador vê-lo conduzindo um drama tão inócuo – não pela trama em si e a importância da denúncia contra o descaso de uma grande empresa com a vida da população, também de seus funcionários expostos a material contaminado, mas por ela ser tão convencional e genérica que não se antevê ali a mão de um realizador com personalidade própria.

É fácil lembrar um filme que segue preceitos e uma estrutura narrativa muito parecidos com os daqui, que é O Informante, de Michael Mann, em que fazia toda a diferença a mão segura do realizador, especialmente na maneira como a câmera na mão conseguia captar e participar dos dramas dos personagens. Em O Preço da Verdade, mesmo quando as coisas mudam de perspectiva no jogo de reviravoltas que se sucede ao longo da disputa judicial e suas várias fases, tais mudanças se dão de forma abrupta, sem maior preparo e da forma mais burocrática possível.

O fato de ser uma história verídica, baseada em artigo publicado no New York Times, e sobre um advogado que ainda hoje luta pelas mesmas causas e acompanha os processos de indenização das vítimas da DuPont, tudo isso faz com o filme também assuma uma posição muito maniqueísta e sem grandes nuances. Numa discussão entre os advogados que compõe a sociedade para quem Rob trabalha, começa-se  uma discussão sobre se realmente vale a pena continuar processando a poderosa empresa, entre prós e contras, é a fala do diretor d associação (vivido por Tim Robbins) que soa mais alto. O personagem faz ali uma defesa categórica da importância social e da responsabilidade humana daquele caso diante dos valores idôneos da profissão. Os advogados – aqueles que lutam pelas boas causas – merecem o céu.

Dentro da perspectiva de preocupação ambiental, vale lembrar que o próprio Haynes já se aventurou pelo tema em Mal do Século. Ali uma maravilhosa Julianne Moore interpretava uma mulher que passava a sentir no corpo as reações ao contato inadvertido com poluentes, e Haynes filmava como uma jornada apocalíptica (ainda que solitária) de autodescoberta emocional. Ali se via um grande autor capaz de forjar uma trama de crítica social para algo muito particular e cheio de personalidade. Personalidade tal que falta a O Preço da Verdade.

 

O Preço da Verdade – Dark Waters (Dark Waters, EUA, 2019)
Direção: Todd Haynes
Roteiro: Mario Correa e Matthew Michael Carnahan

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