O Hotel às Margens do Rio

De intimismo e melancólica*

Depois que Parasita, de Bong Joon-ho, realizou o grande feito de vencer uma Palma de Ouro em Cannes e ainda conquistar o Oscar da categoria principal, o cinema sul-coereano alcançou o seu apogeu de visibilidade no mundo todo. Mas antes disso, os cineastas do país asiático já faziam bonito, fruto de uma renovação (política e cultural) que já estava em curso há algum tempo.

A Coreia do Sul é um celeiro de grandes cineastas. E se Bong tornou-se o mais conhecido deles, talvez o maior nome do cinema de autor no país hoje seja Hong Sang-soo. Seu filme O Hotel às Margens do Rio chega ao público brasileiro através da plataforma de streaming do Belas Artes à la Carte (www.belasartesalacarte.com.br/).

A plataforma possui um grande acervo de filmes clássicos e contemporâneos, mais voltados para um público que circula pelos circuitos de cinema de arte. No caso de O Hotel às Margens do Rio, por se tratar de uma estreia inédita no circuito brasileiro, o filme está disponível para ser alugado por R$ 7,90, mesmo para quem já assina a plataforma. E mesmo quem não é assinante também pode alugar o filme livremente. O longa fica disponível por 48 horas após o pagamento. Na mesma plataforma, é possível encontrar outros filmes do diretor, como Hahaha (2010), O Dia Depois (2017) e A Câmera de Claire (2017) – este último com a atriz francesa Isabelle Huppert.

Hong Sang-soo é um nome bastante conhecido entre os círculos cinéfilos, diretor prolífico que costuma lançar um filme por ano, quando não dois ou mais. É uma verdadeira máquina cinematográfica, muito porque seu modo de produção é bastante simplificado. Trabalha com baixos orçamentos, poucos cenários, com destaque para os atores e os diálogos.

Os personagens de seus filmes conversam. E como conversam. Essa marca registrada já lhe rendeu comparações com o cineasta francês da Nouvelle Vague, Eric Rohmer, bem como aproximações com os trabalhos de John Cassavetes e Woody Allen, por exemplo.

Mas Hong Sang-soo desenvolveu ao longo de sua já longa carreira marcas estilísticas e narrativas muito próprias, o que lhe confere a posição de um verdadeiro autor cinematográfico.

Melancolia inesperada

Seus dramas intimistas geralmente envolvem casais ou possíveis aproximações amorosas, idas e vindas no tempo e muitos dos personagens são cineastas, professores ou estudantes de cinema. As inquietações internas e psicológicas dessas pessoas são geralmente a matéria-prima com que ele constrói suas tramas, calcadas num realismo cotidiano.

Mas não espere um tipo de drama com enredos previsíveis, bobos ou de fácil digestão. O diretor, por trás da aparente simplicidade com que estrutura seus filmes, promove, em muitos casos, um verdadeiro labirinto de emoções e relações interpessoais complexas.

Muita gente costuma acusar o diretor de fazer sempre o mesmo filme, dadas as repetições narrativas que eles apresentam, além do fato de lançá-los muito rapidamente a cada ano – em 2020, ele já apresentou seu mais novo trabalho no Festival de Berlim, The Woman Who Ran, ainda sem título em português, mas com estreia prevista no Brasil para o segundo semestre deste ano. Com esse filme ele venceu o prêmio de melhor diretor no festival, láurea entregue pelo cineasta brasileiro Kleber Mendonça Filho, que compunha o júri oficial do evento.

Porém, para quem acompanha os trabalhos do diretor, é possível perceber que seus últimos filmes sempre apresentam algo de novo em meio a um esquema narrativo reconhecível. Em O Hotel às Margens do Rio, por exemplo, o humor sutil e certa graça na maneira de lidar com as inconstâncias emocionais dos personagens dão lugar a um drama mais melancólico e um tanto pesado, depressivo.

Na trama, o escritor e poeta Young-hwan (Ki Joo-bong) está hospedado num hotel e recebe a visita dos dois filhos. Em paralelo, a jovem Sang-hee (Kim Min-hee, esposa e constante colaborado do diretor) busca se recuperar de uma dolorosa separação, também hospedada no hotel, onde recebe a visita de uma amiga.

Dias frios

O clima é mesmo de pesar, de certa angústia calada, em que a morte e a desilusão parecem rondar aqueles personagens enquanto eles tentam se restabelecer num novo ambiente – o hotel assume esse lugar de estadia passageira, temporária. Ao seu redor, a paisagem bucólica de um rio margeando o hotel em meio a uma nevasca só reforça a melancolia daquele lugar.

É quase como se fosse possível sentir a frieza das relações humanas escondida por uma aparente normalidade das coisas, enquanto os personagens buscam se (re)conectar, especialmente a partir das visitas que recebem. Os filhos do poeta Young-hwan carregam sua dose de afeto, mas também trazem consigo traumas passados, situações ainda não bem esclarecidas no seio daquela família que já se desintegrou no passado.

Young-hwan busca também estabelecer contato com Sang-hee e sua amiga, uma faísca de aproximação e companhia. Por sua vez, as duas garotas, sempre ali por perto, ouvindo a conversa do homem com seus filhos, ensaiam uma maneira de se aproximar deles – uma delas descobre em Young-hwan o poeta que ela conhecia apenas de nome anteriormente, enquanto a amiga reconhece um dos filhos como o sujeito com quem se envolveu em um acidente de trânsito tempos atrás.

Por vezes, o filme dá uma impressão de ser esse quebra-cabeças em que as peças narrativas vão se encaixando e se conectado de modo muito estranho e incomum, mas nunca inverossímil dentro daquele microcosmo. O diretor também não possui a pretensão de aparar todas as arestas, mas antes de deixá-las seguir seu curso natural. Que é mais deprimente e arrasador do que se possa imaginar.

O Hotel às Margens do Rio (Gangbyeon Hotel, Coreia do Sul, 2018)
Direção: Hong Sang-soo
Roteiro: Hong Sang-soo

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 10/06/2020)


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