Mostra SP – Parte V

Quando os
Ani
mais Sonham
(Når Dyrene Drømmer, Dinamarca, 2014) 
Dir:
Jonas Alexander Arnby

Mesmo
se visto como metáfora das transformações da adolescência, esse filme
dinamarquês não consegue ser tão convincente. Isso porque como simples trabalho
de gênero, não passa de um reprocessar de elementos de tons fantásticos,
tentando extrair horror da história de uma garota que percebe algo diferente no
seu corpo e na sua própria essência como ser.
Marie
(Sonia Suhl) começa um novo trabalho
numa peixaria, tem uma mãe num cadeira de rodas, vítima de doença misteriosa.
Ao mesmo tempo em que passa a ser vítima das brincadeiras maldosas de seus
colegas de trabalho, descobre sua sexualidade e percebe algo estranho em segredo
na sua família. Manchas vermelhas e pelos começam a surgir no seu corpo.
São com esses elementos que o roteiro do filme
trabalha, embora as escolhas de conflitos tornam-se as mais banais. O filme
prefere transformar sua personagem numa adolescente rebelde, confrontando-se à
figura paterna, do que de fato se deter naquilo que é mais evidente: sua
transformação. A narrativa ignora aquilo que tem de mais particular. A história
parece continuar pelo simples prazer de ver aquela garota se transmutando em
besta-fera, vingando-se, aos poucos, de todos aqueles que a fizeram “mal”. E não
deixa de haver algo muito moralista nisso.
A Gangue (Plemya,
Ucrânia, 2014) 
Dir:
Myroslav Slaboshpytskiy
Um
das sensações dessa edição da Mostra SP é esse filme ucraniano barra-pesada, cinema
irmão dos trabalhos duros feitos atualmente na mãe Rússia. Detalhe: todos os personagens
são surdos-mudos e se comunicam através de linguagem de sinais. Não há tradução
ou legenda alguma no filme. Aqui, mais que nunca, o corpo é linguagem.
O
ambiente é um colégio interno especializado. Um novo estudante é incorporado ao
grupo e não demora a perceber o lado cruel (que parece ser o único) de seus
colegas. Talvez fosse intenção aqui distanciar-se de uma possível caricatura do
deficiente vulnerável, via “tadismo” que leva à pena. A escolha do diretor é
apresentar personagens perversos, um estado bruto de crueldade que extrapola a
simples prática de bullying ou a maldade que brota em alguns jovens.

uma gangue e um líder odioso; eles subornam os outros garotos, vivem se
estapeando, promovem brigas para uma plateia assistir; as meninas são
prostituídas, há conivência de algumas autoridades do colégio. A Gangue é esse filme que faz questão de
ser indigesto, de apresentar um mundo cão que os próprios personagens criaram
num ambiente dominado por poucos, embora pareça ser o clima geral com que a
maioria compactua.
Uma
possível curva dramática pode surgir quando Sergey (Grigoriy Fesenko), o novo aluno, apaixona-se por uma das garotas, arredia
e mais interessada em vender seu corpo, especialmente para estrangeiros
interessados em levá-la para outro país. Mas esse é um plot engolido pela vontade do filme em escandalizar; uma
sequência de aborto é especialmente angustiante. Além da estética do choque, esses
atos vis são uma constante que deixa o filme sempre num mesmo tom. Interessante
caso em que a violência vista em excesso é capaz de efeito anestésico, via tratamento
redundante.
O
diretor Slaboshpytskiy dirige muito bem, é preciso dizer. Há uma noção absurda
de encenação e espaço, vide os planos-sequência super elaborados que o diretor
cria para acompanhar seus meninos-demonizados. Mas mesmo essa escolha narrativa
não deixa de denotar certo preciosismo de direção, uma vontade de mostrar serviço
com a câmera na mão. E uma vontade também de dar paulada na cabeça do
espectador.
Detetive D: O
Dragão do Mar

(Di Renjie: Shen Du Long Wang, China, 2013)
Dir:
Tsui Hark 
 
O
produto blockbuster de artes marciais
que Tsui Hark produz no contexto do cinema de Hong Kong parece um contraponto
interessante aos filmes norte-americanos similares que a indústria empurra
goela abaixo na maioria dos países. Hark, ao mesmo tempo que parece combater esse
domínio, cria ele mesmo esse tipo de material que só tem a diferença de ser um
produto local, injetando ali a história e cultura de seu povo.
Para
além do clima geral de filme de ação, o grande problema desse Detetive D: O Dragão do Mar é sua insistência
em nunca deixar o espectador piscar, criando um fluxo de ação que nunca para no
interior da narrativa. São muitos os conflitos que enfrenta o policial imperial
Dee (Mark Chao) – o filme faz
parte de uma série de trabalhos anteriores com o mesmo personagem, embora aqui ele
seja, cronologicamente, apresentado pela primeira vez como detetive que vai se
incorporar à força policial a serviço da Família Imperial chinesa.
Como
de hábito nesse tipo de filme, o visual é espetacular em termos de beleza e
cuidado estético. O uso excessivo (e nem sempre tão bom) de CGI pode atrapalhar
um pouco também. Mas o ritmo narrativo é tão frenético, há tantos diálogos,
conflitos, reviravoltas e detalhes, que é difícil acompanhar uma trama tão
rocambolesca. O que era pra ser divertido, acaba cansando pelo exagero.
As Maravilhas (Le Meraviglie,
Itália/Suíça/Alemanha, 2014) 
Dir:
Alice Rohrwacher
Pode
demorar um pouco até se compreender que As
Maravilhas
funciona mais como crônica de um lugar, de uma família rural e
sua rotina, do que como conflito posto por um roteiro. Apesar disso, algumas
questões surgem ali entre os personagens, tal qual surgem com cada um de nós no
nosso dia a dia. Fotografia levemente granulada traz esse tom todo intimista ao
filme. É fim do verão.
Há,
portanto, esse clima de vida interiorana com seus pequenos encantos naturais, no
contexto de uma família simples de apicultores que trabalham juntos para se
sustentarem. Desde as filhas mais jovens do casal e uma agregada no lar, todos
convivem num mesmo esforço de levar adiante a produção artesanal de mel.
Talvez
um centro norteador da narrativa seja um olhar para um grupo de garotas
condicionadas a uma realidade estanque. Ainda que exista algo de muito
carinhoso ali – o filme está longe de denuncismos –, aquelas meninas são privadas
de possibilidades outras para fora daquele universo interiorano. Pai amoroso,
mas muito convencido de que elas devem se ater ao lugar, reforça muito bem essa
posição rígida.
A
chegada da equipe de um programa televisivo que realiza um concurso na região
em busca de famílias para retratar parece ser a ponte para a fuga dessa rotina.
Desperta principalmente em Gelsomina (Maria Alexandra Lungu), a mais velha das
irmãs, o sonho de ver sua vida mudar, através desse contato com um mundo
exterior idealizado. No fundo, isso mexe com todos, o que promove uma
espécie de pequenos choques de realidade naquelas pessoas, em maior ou menor grau. 

Mesmo que As
Maravilhas
permaneça sempre num mesmo tom e tenha uma dificuldade para
terminar (filme poderia ter uns 10 minutos finais a menos tranquilamente), é
fácil aceitar o convite para adentrar um mundo de belezas singelas, ainda que
restritivas. Carrega um delicioso sabor agridoce.

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