Mostra SP – Parte 2

Aqui
e Ali 
(Aquí y Allá, Espanha/EUA/México, 2012)
Dir:
Antonio Méndez Esparza
No
campo da temática de imigrantes mexicanos que cruzam a fronteira para tentar
ganhar a vida na América, essa representação de um continente que se tornou
erroneamente os EUA, Aqui e Ali é um
filme atípico porque é sobre o retorno. O pai pródigo volta para casa a fim de
retomar a vida e a família, como um novo recomeço.
Isso
porque não parece haver animação nessa vinda, apesar do razoável progresso no
exterior e dos planos de reconstruir a vida no México. O filme ensaia toda uma
reaproximação desse pai com a mulher e as duas jovens filhas. Da estranheza
e quase desconforto que a presença dele causa no início, o núcleo familiar vai se
fortalecendo, criando intimidade, e Pedro (Pedro de los Santos) revela um pilar
de sustentação enquanto pai de família, apesar dos tropeços e dificuldades. E
eles só insistem em aparecer, pondo a baixo pouco a pouco os sonhos ensaiados.
Toda
a narrativa segue um ritmo calmo, como que perscrutando a rotina daquelas
pessoas num lugar pobre e sem grandes perspectivas, expondo mesmo a
dificuldade de vencer as pedras do caminho. Por vezes abusa do tempo estendido
e das situações corriqueiras que insiste em destacar, estendendo os planos mais
do que necessário. Mas é um retrato sincero, cheio de singeleza, de uma vida
que quer mudar, mas cujo destino tem outros planos.
A
Feiticeira da Guerra 
(Rebelle, Canadá,
2012)
Dir: Kim
Nguyen

Belíssima
surpresa esse filme que, apesar de canadense, se passa em algum lugar da África
tomada pelas guerrilhas e conflitos entre rebeldes e governos. Uma história
brutal como todas que têm lugar numa guerra civil, ainda mais nos rincões
inóspitos desse imenso e sofrido continente.
O
título original do filme, “Rebelde”, é bem mais apropriado para representar a
trajetória tortuosa da jovem Komona (a incrível Rachel Mwanza, prêmio de
atuação no Festival de Berlim este ano). Ela é retirada de sua família pelas
forças rebeldes da região para servir de guerrilheira, contra o poder oficial.
Mas sua obstinação é ainda mais forte e a faz seguir por caminhos inesperados,
o que torna o filme e o percurso da protagonista cheio de surpresas.
O
filme começa como uma história dura sobre embates armados (e há momentos chocantes
aqui – com um trabalho de som que acentua demais a intensidade dos conflitos – a
começar pela cena em que Komona é obrigada a matar os próprios pais; a partir
de agora, sua família será a arma de fogo que carrega, como lhe é dito). Mas
logo entra em cena, da forma mais bela possível naquele contexto, a relação
amorosa improvável com um companheiro de guerrilha, curiosamente um albino,
conhecido como O Mágico (Serge Kanyinda).
É incrível como o filme consegue encontrar momentos de felicidade para os dois
apaixonados, e também engraçados, como a história da galinha branca, o presente
que ele deve encontrar para ter o amor de Komona.

ainda a inclusão de um curioso tom fantástico, marca do misticismo das religiões ancestrais
do continente. Komona, na verdade, revela seus “poderes especiais” ao tomar um
leite alucinógeno, o que a faz ver fantasmas que indicam as melhores atitudes a
tomar no campo de batalha, além de torná-la inexplicavelmente “imune” aos
ataques. Mas o filme nem se preocupa em tentar explicar essas situações. Há de
dizer que a ideia dos fantasmas de aparência carnal, mas ainda assim assustadores,
é uma grande sacada do filme.
A
narrativa lida com o desconhecido de forma muito natural, se preocupando mais
com o destino incerto da personagem que só parece antever sofrimento à sua
frente. Com essa protagonista fortíssima em meio ao caos, A Feiticeira da Guerra oferece uma jornada intensa de dor e luta
constantes.
O
que Se Move

(Idem, Brasil, 2012)
Dir:
Caetano Gotardo

Até
o seu segundo terço, O que Se Move
poderia ser definido como um filme de luto, mas depois poderemos dizer que trata
de ausências, essas que paralisam. Porque a ideia de movimento aqui é essencial
no sentido de pensar o deslocamento como aquilo que inspira vida, vigor, enquanto
a morte (ou a sensação de perda) como aquela que paralisa os que ficam, sendo a
morte uma constante nas três histórias que compõe o filme.
Nesses
três momentos distintos, temos famílias confrontadas com situações críticas. Se
as duas primeiras lidam com a questão do luto de forma mais direta, a última se
estabelece pela marca do reencontro, embora a ideia de perda esteja presente a
todo o momento. Mas todas elas enfrentam essa sensação de ausência que
paralisa e deixa a vida mais sofrida, mais difícil de levar adiante.
Além
de demarcar e defender bem essas ideias e conceitos de movimento/estagnação
(embora nada seja tão rígido no filme enquanto tese conceitual – é mais uma
interpretação que o filme deixa a nosso cargo), existe uma coragem que faz a
narrativa abandonar o tom naturalista que vem seguindo, dando lugar a momentos de
pegada mais lúdica. As cenas em que as personagens cantam suas mágoas revelam a total
subjetividade que o filme assume como registro narrativo dos mais interessantes
e potentes para expressar dores profundas.
É
um tipo de destemor narrativo que faz muita falta ao cinema brasileiro. Gotardo
não tem medo de soar ridículo e passa longe disso porque a dor que emana das
personagens (especialmente das mães feridas) e todo o desenvolvimento das histórias são de uma sensibilidade incrível. O destaque para as atrizes Cida
Moreira, Andrea Marquee e Fernanda Vianna, que protagonizam cada uma das
partes, não é gratuito porque elas elevam
bastante a sensação de pesar geral desse sofrido, mas ótimo trabalho.
Balança
mas Não Cai

(Idem, Brasil, 2012)
Dir:
Leonardo Barcelos

Em
Belo Horizonte, o antigo prédio Tupis balança, mas não cai. Nesse documentário
sobre o famoso edifício, o diretor Leonardo Barcelos preocupa-se em registrar
as histórias das pessoas que viveram naqueles apartamentos há algumas décadas
(a construção foi erguida nos anos 40). Cria um mosaico de opiniões e relações
com aquele espaço que até então resiste em pé, conhecido mesmo como Balança Mas
Não Cai pela inclinação arquitetônica.

O
filme tem algo de subjetivo nas projeções que faz nas paredes e espaços do
prédio e também com as encenações de possíveis situações que aconteceram ali.
Hoje abandonado, desgastado, o prédio irá passar por reformas e ser novamente
habitado, registro que o filme também faz. Música de tom lúdico ajuda muito a
criar um clima nostálgico-fantasioso, de um quase mistério, para a situação. Porque
as histórias que saem dali possuem seus segredos e dúvidas, coisa da fugacidade
da memória de quem conta e das incertezas que pairam sobre o lugar.  

Mas
esse tom mais subjetivo posto pelo diretor mineiro, componente do coletivo
Teia, acaba se tornando mais interessante que alguns depoimentos em si,
momentos em que o filme se apega às tradicionais entrevistas. Algumas delas não
são tão interessantes assim (homens falando das namoradas, por exemplo), o que
deixa a obra um tanto irregular. O filme também reserva espaço para tratar da
sociedade mineira e as lutas políticas da época, em especial durante o regime
militar. Se é um filme que evoca a memória de um tempo situado num espaço, essa
abordagem não deixa de ser interessante como registro histórico, mas parece
seguir por um outro caminho que não sei se faz tão bem ao filme.
Mas
o maior incômodo de Balança Mas Não Cai
é o texto em off do narrador (diretor?) que,
além de soar pouco natural (embora em essência pareça não querer mesmo um tom
realista), entrega interpretações possíveis sobre as ideias de verdades e mentiras,
fatos e invenções, como um condicionamento prévio, mesmo que possa ser visto
como motivação do próprio cineasta ao fazer o filme.

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