Festival do Rio – parte VII

O Pesadelo – Paralisia do Sono (The Nightmare, EUA, 2015)
Dir: Rodney Ascher
É incrível como ainda hoje se fazem documentários tão antiquados que insistem em  ficcionalizar o depoimento de alguém, como forma de ilustrar o que está sendo dito, como se o espectador não pudesse imaginá-lo por si só (privando-o, inclusive, desse exercício). No caso de O Pesadelo – Paralisia do Sono, como em muitos documentários desse tipo, há uma história muito boa por trás de uma execução decepcionante – e o mesmo já acontecia no filme anterior do cineasta, O Labirinto de Kubrick.

O filme traz uma série de depoimentos de pessoas que sofrem de um sério distúrbio de sono: elas acordam no meio da noite, mas não conseguem se mover, como se o corpo físico ainda estivesse em estado de sonolência, apesar da consciência estar ativa; além disso, passam a ter alucinações, geralmente envolvendo vultos ou seres que parecem estar presentes no ambiente em que elas estão “dormindo”.

Há de fato uma vontade do filme em transformar esses relatos em algo mais assustador do que eles já são através de um tipo de dramatização frouxa que busca assustar com efeitos especiais fajutos e tiques grosseiros de filmes de terror. Mas o pior mesmo é quando os depoimentos parecem repetir o mesmo tipo de experiência com diversas pessoas, o que impede que o filme avance, amplie-se e adentre aquele universo tão estranho.

 

Mia Madre (Idem, Itália/França, 2015)
Dir: Nanni Moretti

 

Bem ao estilo sutil de Nanni Moretti, Mia Madre é tudo que se poderia esperar do tratamento singelo e maduro do cineasta italiano. O filme tem o cuidado de nunca soar piegas e choroso, ainda que seja naturalmente emocional pela história que conta.

É menos um conto sobre o luto – Moretti já fez esse filme antes, trata-se do maravilhoso O Quarto do Filho – e mais sobre a confusão mental de uma mulher que chega à razão de que sua mãe, já debilitada de saúde, está prestes a morrer. Ela é Margherita (Margherita Buy), uma cineasta renomada, mulher solteira, envolta na produção de um novo trabalho.

A personagem divide-se entre as preparações do novo filme e os encontros com a mãe, também na companhia do irmão (vivido pelo próprio Moretti). Mas o filme guarda um inesperado alívio cômico: Barry Huggins, ator americano que chega para filmar com Margherita, interpretado por um impagável John Turturro.

Ele é dono de ótimos momentos quando faz a cineasta perder a paciência diante da sua dificuldade de decorar as falas, a despeito do seu porte de ator de primeira grandeza. Essa relação só acrescenta mais desgastes emocionais para ela, ainda que surja dali uma fagulha de alegria e beleza. É uma chispa que brota inusitadamente de uma história de dor. Mia Madre celebra não a despedida, mas o caminho de quem permanece.

 

Paulina (La Patota, Argentina/Brasil/França, 2015)
Dir: Santiago Mitre

Paulina começa e parece que vai enveredar pela já batida história da professora que chega a uma comunidade do interior para mudar a vida dos alunos. É importante que pouco se diga sobre o enredo do filme porque, em certo momento, a trama muda completamente de figura e a protagonista, mulher independente e de pulso firme, precisa confrontar seus próprios princípios diante de uma situação humilhante e violenta.

Santiago Mitre conduz com muita segurança uma narrativa que vai e volta no tempo, mas situa o espectador num turbilhão emocional. Mais que isso, o filme põe a protagonista numa situação de tal complexidade, a partir das decisões que ela tem de tomar, que mesmo para ela a coisa toda é um grande desafio – e sua escolha não é a mais fácil.

O filme tem a maestria de colocar o espectador num lugar de indecisão sobre que lado tomar, o que torna Paulina um caso raro de estudo moral que não está disposto a entregar saídas simples, nem escolher caminhos confortáveis a se mirar.

Dolores Fonzi encarna maravilhosamente essa mulher em situação de vulnerabilidade, mas ainda assim dona de certas convicções. Mas a coloca diante de outro grande ator: Oscar Martinez, que interpreta o pai da protagonista. Advogado bem-sucedido, desde o início ele é contrário à ida da filha para o interior por achar que ela tem à frente uma carreira promissora como jurista. É no embate ideológico entre os dois que o filme ganha texturas mais complexas e densas, num jogo que também é emocional, familiar, sem nunca apelar para maniqueísmos.

 

Apocalipse Yakuza (Gokudou Daisensou, Japão, 2015)
Dir: Takashi Miike
Melhor sessão feel-good-insana-quebra-tudo de meia-noite não poderia haver do que a de Apocalipse Yakuza, mais um petardo do prolífico cineasta japonês Takashi Miike. É um filme de vampiros e seres estranhos com poderes e habilidades não humanas, mas tudo isso numa roupagem de filme de máfia japonesa.

Não à toa, uma das questões aqui é a transferência de poderes, o pupilo que precisa assumir o lugar de seu antigo chefe, um vampirão que mantinha sua verdadeira identidade escondida. Mas Miike é feliz também por fazer surgir uma série de personagens excêntricos que entram na briga pelo comando da famosa Yakuza – o vilão fantasiado de sapo de pelúcia, exímio lutador, é dos mais engraçados e icônicos.

Os efeitos especiais podem não ser dos melhores, mas até isso contribui para o gosto de filme trash, mais as boas doses de pancadaria, sangue, morte e destruição elevados a potências altíssimas. Não é muito difícil deixar de lado as reviravoltas e surpresas de enredo para se concentrar na insanidade bestial que o filme serve, de bandeja. É mesmo um belo deleito sanguinário.

 

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