Escolha de vida

Brooklin (Brooklyn, Irlanda/Reino Unido/Canadá, 2015)
Dir: John Crowley
A impressão primeira é que Brooklin vai se concentrar na perspectiva histórica que traça o processo de imigração irlandesa para os Estados Unidos ali no início do século XIX, de maioria católica. A figura central aqui é Eilis  (Saoirse Ronan), jovem tímida e recatada que enxerga uma rotina insossa e aprisionada na sua cidade natal no interior da Irlanda e por isso decide embarcar num navio e ir tentar a vida no ideário das oportunidades que é a América.
O início do longa é um tanto desastroso: a personagem é posta à prova numa série de perrengues que deve passar – dor de barriga no meio da noite, agitação em alto mar, comida ruim. Tudo isso poderia supor uma espécie de via-crúcis da garota que ainda iria sofrer muito nos Estados Unidos até conquistar uma redenção, mas Brooklin prefere traçar um caminho muito mais singelo e sincero nesse trajeto de crescimento pessoal.
Aos poucos o filme abraça o melodrama, mas toma o cuidado de nunca cair no exagero, especialmente na maneira de criar nuances para os personagens que circundam a nova vida de Eilis. Ora, a dona da pensão onde ela se instala poderia ser uma megera chata, mas se mostra afável, ainda que com ares conservadores; as garotas que dividem a pensão são saidinhas e estranham a estrangeira interiorana, mas acabam ajudando-a a se adaptar à modernidade novaiorquina; até o rapaz por quem ela se enamora demonstra ser um tipo simpático, pobre, mas trabalhador, longe de ser um possível aproveitador que a fizesse sofrer, membro de família numerosa, excêntrica, mas agradável.
Mesmo a ideia de amor ideal surge com certa parcimônia no filme. Ele se apaixona mais rapidamente por ela do que a recíproca. Ela precisa de mais tempo para se acostumar com esse sentimento, embora vá se tornar indiscutível, mais adiante, como eles se amam. Assim também acontece com a adaptação paulatina de Eilis à nova vida no famoso bairro de que se tornou reduto dos irlandeses na época.
O roteiro, adaptado de livro homônimo pelo escritor pop Nick Hornby, encontra a maneira mais sincera de desenhar seus personagens e os dramas que os envolvem, sem precisar apelar para os subterfúgios simplistas do dramalhão, com tipos marcados por princípios rasos ou maniqueístas (exceção feita à dona da loja que emprega Eilis na cidadezinha da Irlanda, com ares de bruxa má).
E o cineasta John Crowley, mesmo numa direção clássica e direta, entende muito bem esse tempo que os personagens precisam para revelar suas camadas, assim como a história precisa revelar o amadurecimento da protagonista. É bem bom ver esse tipo de filme ganhando destaque no Oscar, assim como o belo desempenho de Saoirse Ronan, quando se têm valorizado tantos filmes inchados e apressados, beirando a superficialidade.
É esse tipo de tratamento singelo que joga o grande conflito da história para outro campo, que aliás surge somente na segunda metade da narrativa. Há uma reviravolta no meio da história que faz a personagem voltar à Irlanda natal. Aos poucos, o destino lhe reserva outras oportunidades e um caminho distinto, longe do que ela traçou até então. O que parecia um vento a favor, coloca a jovem num ponto de pressão que lhe exige cada vez mais uma decisão afirmativa.
Sem nunca querer soar grandioso, Brooklin confronta sua protagonista com uma escolha de vida. Chega o momento dela decidir o lugar a que pertence, onde ela poderá chamar de lar, a casa em que habita. O filme pode ser simples na estrutura que emprega para chegar até esse ponto, mas guarda complexidades morais e particulares para sua protagonista, além de nunca dar um passo maior do que o necessário para contar essa história de decisões.

 

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