Curtinhas

Asas do Desejo (Der Himmel Über Berlin, Alemanha Ocidental/França, 1987)
Dir: Win Wenders

Existe uma enorme carga de humanidade na história do anjo que entra em crise existencial e passa a querer viver como um ser humano. Wenders é hábil em ambientar o mundo paralelo dos anjos que vivem como guardiões das almas atormentadas dos homens, vagando pelos cantos e ouvindo seus pensamentos, seus medos e angústias, em meio a uma Berlin dividida pelo pós-Guerra. Damiel (Bruno Ganz) e Cassiel (Otto Sander) são os anjos que guiam a narrativa por entre esse labirinto de divagações, até que Damiel se encanta pela trapezista de circo Marion (Solveig Dommartin). Ao mesmo tempo, ele passa a questionar sua existência: embora seja imortal, é incapaz de sentir emoções próprias dos humanos. O filme então se abre para a valorização dessa capacidade do homem em desfrutar sensações aparentemente tão banais como um esfregar de mãos quando sentimos frio. Nesse sentido, a fotografia é primorosa em apresentar o mundo dos anjos em preto-e-branco, contrastando como o mundo em cores fortes dos humanos. Além disso, o filme nos presenteia com um texto excelente transbordando uma poesia melancólica que é a marca registrada da obra. Se a existência humana é finita, nada se compara à possibilidade de amar e ser correspondido. Nunca foi tão bom ser um anjo decaído.

PS: existe uma continuação para esse filme, dirigido pelo próprio Wenders, chamado Tão Longe, Tão Perto, mas não chega aos pés da sutileza poética desse aqui.

PPS: Cidade dos Anjos é um remake Hollywoodiano descarado e oportunista do filme de Wenders. Deveriam processar os responsáveis pela refilmagem!

A Balada de Narayama (Narayama Bushiko, Japão, 1983)
Dir: Shohei Imamura

A Balada de Narayama pode muito bem ser vista como uma comédia de costumes de uma vila japonesa nos fins do século XIX, mas alcança um patamar adiante ao retratar a fome que assolava a região e as lendas milenares do local. Uma tradição rezava que, ao completar 70 anos de idade, os anciãos deveriam ser abandonados ao alto da montanha Narayama. Orin (Sumiko Sakamoto) é essa senhora que está prestes a completar seu septuagésimo aniversário e precisa deixar tudo às ordens para quando partir, o que significa encontrar uma esposa para seu filho mais novo. A questão da velhice é o ponto central da narrativa que vê os idosos como um sacrifício para suas famílias já que eles não possuem mais força para trabalhar, mas mesmo assim representam mais uma boca para comer. Por mais que isso possa parecer desumano, Imamura evoca o instinto de sobrevivência animal também presente no ser humano para se contrapor às questões morais da nossa sociedade. Engraçado também como ele lida com os instintos sexuais dos habitantes de forma tão despudorada e explícita. Mas são nos momentos finais que o filme mostra a força e persistência das antigas tradições.

Minha Mãe (Ma Mère, França, 2004)
Dir: Christophe Honoré

A primeira estranheza desse filme vem do fato dele ser dirigido por Christophe Honoré, cineasta francês de filmes gostosos como Em Paris e Canções de Amor, de cara contrastando com o tom seco e duro de Minha Mãe. Daí uma outra estranheza: a atmosfera sexualmente pervertida em que uma mãe envolve seu único filho, fruto de um casamento totalmente desestruturado, num jogo de depravação, tendo ela própria (mas não só) como objeto de desejo. Se nos dois filmes anteriores Honoré conseguia tratar com leveza assuntos tão pesados, aqui ele não tem pudores em filmar cenas de alto teor sexual. Embora as imagens sejam bem explícitas, não há como negar que esse é o ambiente em que o filme se arvora, e a narrativa chega a adquirir uma atmosfera de surrealidade diante de cenas tão chocantes. Mas o tom vai se tornando excessivo e repetitivo, quase como se o filme tivesse de ser preenchido por mais cenas pesadas até alcançar seu ato final, o melhor. Isabelle Huppert parece ser a atriz perfeita para papéis sexualmente fortes (vide seu desempenho soberbo em A Professora de Piano). Já Louis Garrel, ótimo ator, surge exemplar ao viver um filho imaturo e cuja carência de afeto vai ser preenchida de outra forma. O filme termina com uma cena impactante que nos faz pensar o quanto uma mãe pode causar donos psicológicos irreversíveis a um filho.

8 thoughts on “Curtinhas

  1. Olá Rafael,

    Meu nome é Patricia e trabalho na iChimps – Comunicação com Engajamento. Trata-se de uma agência diferente, que acredita na colaboração e na cocriação para o sucesso de qualquer projeto. Se quiser saber mais, dê uma olhada no site: http://www.ichimps.com.br

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    Para isso, gostaríamos de lhe convidar para participar desse projeto.

    Se quiser colaborar conosco, ou saber um pouco mais, por favor, me envie seu telefone ou, se preferir, pode falar comigo por esse e-mail ou pelo telefone: (11) 2925-0700.

    Agradeço sua atenção, espero dialogar com você em breve,

    Patricia

    (11) 2925-0700
    patricia@ichimps.com.br
    http://www.ichimps.com.br

  2. Vamos por partes: ASAS DO DESEJO eu vi há um bom tempo, ainda em VHS, e definitivamente preciso rever. Me lembro de ter gostado, ainda que prefira do Wenders o PARIS, TEXAS. O mesmo vale para CIDADE DOS ANJOS: vi há muito tempo, inclusive antes do original do Wenders, e lembro de ter gostado, mas precisava rever.
    Me interessei por A BALADA DE NARAYAMA depois desse seu texto. Vou correr atrás dele.
    Do Honoré, ainda não vi nenhum, o que é uma vergonha. Quero muito ver EM PARIS e CANÇÕES DE AMOR…

  3. Fiquei intrigada sobre este "Minha Mãe". Parece ser interessante, apesar do resultado não ter sido bom.

    E sempre quis assistir "Asas do Desejo", mas só conferi mesmo a refilmagem hollywoodiana, "Cidade dos Anjos".

  4. Nossa Wallace, você citou um outro Wenders que eu adoro, não sei se gosto mais desse aqui ou de Paris, Texas. Mas reveja Asas num momento tranquilo e acredito que vai gostar mais do filme. Narayama é ótimo e do Honoré eu recomendo enormemente Em Paris.

    Então Fred, pra mim Pecados Inocentes incomoda mais porque é bem fraco, achei o filme irregular demais, sem consistência, apesar do ótimo trabalho da Moore; mas agora que você citou, lembra sim o Minha Mãe, embora a produção francesa seja superior.

    Gustavo, realmente a edição em DVD de Balada de Narayama não é lá das melhores, mas tem uma edição bem legal de Asas do Desejo, acompanha uma coleção do Wenders, ótima.

    Kamila, talvez o resultado de ver Minha Mãe para você seja melhor. E você não sabe o que tá perdendo por não ter visto Asas ainda, o remake é sofrível.

    Filipe, acho que você devia dar uma segunda chance a Asas do Desejo, assista quando estiver num momento mais tranquilo, acredito que vai descobrir um outro filme.

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