Curtinhas

Há Tanto Tempo que Te Amo (Il y a Longtemps que Je T’aime, França/Inglaterra, 2008)
Dir: Philippe Claudel

A estreia na direção do romancista francês Philippe Claudel rendeu um dos filmes mais cortantes do ano. A história começa com o reencontro entre duas irmãs que não se viam há 15 anos porque Juliette (Kristin Scott Thomas) estava em algum lugar que só descobriremos depois. Léa (Elza Zylberstein), portanto, acolhe a irmã em casa até que Juliette se reestabeleça. O roteiro é hábil em nunca dar respostas rápidas e fáceis ao espectador; as informações surgem no momento certo e sem pressa, o que não deixa de causar apreensão, acrescido de doses de surpresa. Quando Juliette revela, num momento inesperado, onde esteve e por que, o impacto é enorme.

A dor da personagem parece estar estampada em sua expressão e, dessa forma, o grande trunfo do filme é a brilhante atuação de Kristin Scott Thomas, já que sua personagem carrega uma dor enorme consigo e, ao mesmo tempo, busca se reerguer e dar rumo à sua vida. A atriz sabe conferir dignidade a uma personagem tão sofrida em busca de uma redenção. Não que ela precise do perdão das pessoas ao redor, mas no sentido de aprender a conviver com os atos do passado. Há no filme uma bem sucedida tentativa de fugir dos clichês fáceis e consegue nunca ser piegas. Pelo contrário, da contenção de emoção, o filme alcança uma maturidade pouco vista nas telas de cinema.

Cinzas do Passado Redux (Ashes of Time Redux, China, 1994)
Dir: Wong Kar-wai

Não se podia esperar um filme convencional de lutas marciais dirigido por Wong Kar-wai. Na verdade, estamos diante de um filme de amor, como já era de se esperar, acrescido ao estilo wuxia (acontece algo semelhante em seu primeiro – e ótimo – filme, Conflito Mortal, uma história de amor travestida de filme de máfia). Em Cinzas do Passado Redux, o espadachim Ouyang Feng (Leslie Cheung) é o centro da narrativa cujo caminho será cruzado por uma série de personagens; o filme funciona quase como história episódica, dividido pela passagem das estações do ano e pelas pessoas em busca de Ouyang para que ele contrate assassinos profissionais.

O filme, lançado em 1994, foi levemente reeditado (uma espécie de corte do diretor), tendo som e imagens resmaterizados, ampliando assim sua beleza visual. No entanto, por mais interessante que seja a mistura de gêneros, o filme perde força por manter um apelo visual de cartão postal em detrimento à consistência de suas histórias, cujo foco e interesse vão se perdendo com a mesma regularidade com que os personagens desaparecem da narrativa. As cenas de luta surgem como borrões na tela e o apelo fantástico da narrativa podia ser bem mais explorado.

RocknRolla – A Grande Roubada (RocknRolla, Inglaterra, 2008)
Dir: Guy Ritchie

Guy Ritchie pensa que é Quentin Tarantino. Acha que para ser considerado um cineasta pop dos bons, é só encher seus filmes de diálogos “inteligentes”, situações nonsense e fazer umas trucagens com a câmera e a edição. Seu filme anterior, o péssimo Revólver, é bem nessa linha e acaba soando pretensioso e vazio. RocknRolla segue o mesmo caminho, embora seja possível encontrar algo um tanto interessante no meio da bagunça. O grupo liderado pelo ator Gerald Butler forma uma espécie de gangue pé de chinelo que, envolvido com dívidas, passa a fazer parte de um esquema de roubo a um grande empresário, arquitetado por sua própria contadora (Thandie Newton).

Há alguns furos no roteiro e a necessidade de chegar ao fim da narrativa com uma virada surpresa, como se Ritchie estivesse dando uma piscadela de cumplicidade para a plateia. Ideia pra lá de batida, assim como todo o filme. Se existe uma certa graciosidade da cena da dança em que dois personagens trocam informações numa festa sem serem notados, esse tipo de originalidade é o que mais falta ao resto do filme. Ritchie precisa se reinventar, urgentemente. E a contar pelo trailer de Sherlock Homes, isso pode demorar um pouco mais. Espero estar errado.

9 thoughts on “Curtinhas

  1. Destes só vi "Há tanto tempo que te amo" e gostei, nem por causa da qualidade da película, mas por debater de forma tão contundente um tema ético de grande profundidade.
    Gostei bastante da fácies característica ed retraimento social da personagem!

  2. Há Tanto Tempo que Te Amo é um dos melhores filmes do ano, surpreendentemente. Só não acho mesmo que a protagonista precise de redenção…

    Não tenho a menor vontade de ver Cinzas do Passado. Todo mundo se frustra com esse filme.

    E que pena que você não gostou do Rock 'n' Rolla. Li muita crítica boa do filme. Não vi ainda, mas quero ver pra tirar minhas dúvidas.

  3. Elizio, de fato, lidar com essa questão ética é bem complicada no filme, e mais ainda é procurar entender, sem julgar, o ato dessa personagem. Que filme devastador!

    Maravilhoso mesmo Wallace, o texto do Claudel é um primor de concisão. E o Richie não me desce, acho ele muito autoimportante e pseudocult.

    Fred, também não acho que a personagem de Há Tanto Tempo precise de redenção, mas parece uma busca própria dela consigo mesma, uma tentativa de tentar estar bem interiormente. É meio complicado mesmo indicar Cinzas do Passado, mas quem sabe sua visão não seja mais favorável? E tem muita gente que gosta mesmo do filme do Richie, eu que não consigo suportar seu ar de pseudocult.

  4. Rocknrolla é mais do mesmo, bem fraco. Não que seja um filme ruim, mas está longe de ser um bom filme. Eu perdi Há tanto tempo que te amo nos cinemas. Agora. só esperando em DVD…

    Abs!

  5. Considero "Há Tanto Tempo que Te Amo" um dos melhores filmes lançados durante este ano no Brasil. Seu maior trunfo mesmo reside na interpretação devastadora da Kristin Scott Thomas, embora a Elza Zylberstein seja um dos pilares que também sustentam o drama. No mais, não vi "Cinzas do Passado" e acho "RocknRolla", com o perdão do trocadilho, uma grande roubada – assim como qualquer outra porcaria feita pelo Guy Ritchie (nem sei como existem pessoas que acham "Snatch" um grande filme).

    Abraços!

  6. Então Diego, ignoraram mesmo a Scott Thomas, mas a gente sabe como é difícil para o Oscar valorizar interpretações em línguas estrangeiras ao inglês. Ainda mais se o filme não possui sucesso comercial nos EUA. Mas ela tá fenomenal, a atriz do ano pra mim!

    Não se esqueça não, Gustavo, acredito que você não vai se arrepender. O texto é forte e ao mesmo tempo muito natural, nada está fora de lugar.

    Dudu, o Ritchie só faz filme igual, tá um porre. E espere mesmo pelo DVD de Há Tanto Tempo que vale muito a pena.

    Realmente Alex, o filme está entre os meus 10 mais até então. Acho que o trunfo não é só a atuação da Scott Thomas, mas também o texto preciso do próprio diretor. Só não acho que a atuação da Elza Zylberstein esteja no mesmo patamar, embora ela esteja bem. Não vi Snatch ainda, e nem tenho muita vontade de ver. O Ritchie não tem me descido.

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