Curtinhas

Enterrado Vivo (Buried, EUA/Espanha/França, 2010)

Dir: Rodrigo Cortés

Se tivesse assistido a esse filme ano passado, com certeza estaria entre os melhores do ano. E não consigo entender como um projeto com um potencial tão grande de arregimentar público teve campanha e distribuição tão pouco valorizadas. Pois Enterrado Vivo é um longa angustiante que acompanha um personagem preso dentro de um caixão em toda sua duração. O melhor é como o roteiro consegue dar consistência a essa história de forma inteligente e ágil, ao mesmo tempo em que alcança momentos de tensão pelo simples fato de termos seu protagonista em uma situação limite, mantendo isso até o final, eletrizante.

Paul Conroy (Ryan Reynolds, com certeza em sua melhor atuação) é um motorista de caminhão que, durante uma emboscada sofrida em serviço no Iraque, acorda dentro de um caixão debaixo da terra portando poucos objetos como um celular, um isqueiro e uma lanterna. O público descobre junto com o protagonista por que ele está metido naquela situação e acompanha com a mesma apreensão suas tentativas de se livrar dali (faz isso tentando ligar para as pessoas certas). O filme ainda possui um trabalho de fotografia orgânico que aproveita todo foco de luz para construir sua iluminação. Corajoso em sua proposta, Enterrado Vivo é um misto de surpresa e tensão.

O Joelho de Claire (Le Genou de Claire, França, 1970)
Dir: Eric Rohmer

Meu primeiro Rohmer foi O Raio Verde, filme com o qual não simpatizei muito. Daí fiquei com pé atrás para conferir mais obras desse diretor da Nouvelle Vague francesa (morto no início do ano passado, aos 89 anos). Mas eis que O Joelho de Claire revelou um talento enorme em cativar o espectador com todo aquele falatório, o que no filme anterior me pareceu uma tanto distante, sem muita emoção. Porque nos filmes de Rohmer é assim: os personagens conversam pelos cotovelos. Ele filma com muita simplicidade, sem arroubos estéticos e estilísticos; mais importa as relações entre personagens e os sentimentos de cada um.

Aqui, Jerome (Jean-Claude Brialy) é um homem preste a se casar e vai passar uns dias sozinho no campo para vender sua casa e encontra uma velha amiga. Ela lhe apresenta à jovem romântica Laura (Béatrice Romand) e depois à infantil e bela Claire (Laurence de Monaghan), de quem Jerome se encanta pelo joelho. Chega um ponto da narrativa em que Jerome consegue reafirmar o amor pela esposa e resiste em se envolver com Laura; é quase uma segurança adquirida. Mas logo será abalado pelo fascínio incompreensível pelo joelho de Claire, que, por sua vez, nem dá bola para esse homem mais velho. Com a maestria do excelente texto de Rohmer, o filme investiga o fetichismo e o poder da atração, essa que pode surgir quando menos se espera e atacar os mais prevenidos.

127 Horas (127 Hours, EUA/Reino Unido, 2010)
Dir: Danny Boyle

Danny Boyle é aquele diretor que começou a carreira com um ótimo filme (Cova Rasa) e uma direção madura e que ano passado fez o terrível Quem Quer Ser um Milionário, numa direção desastrosa parecendo coisa de principiante. Pois agora ele lança esse 127 Horas, com uma ótima premissa, mas que se desenvolve de forma artificial e vazia (ajudada por uma fotografia totalmente publicitária). Temos aqui o aventureiro Aron Ralston (James Franco) que numa de suas escaladas pelas montanhas rochosas do estado de Utah fica com o braço preso numa pedra. O filme é um daqueles projetos que chama atenção porque se constrói basicamente com um único personagem que tenta se livrar de determinada situação até o fim do longa.

Seria o caso de louvarmos se o roteiro do filme não fosse tão desastrado. Durante muito tempo, Aron se entrega a flashbacks e alucinações que não ajudam em nada a desenvolver o personagem (dão ideia de “gastando o tempo”). A tal cena “forte”, que tanto tem causado comoção e sensações desagradáveis em algumas platéias, é um tanto enfraquecida por uma péssima montagem que quebra o ritmo da tensão a todo instante. Por fim, a atuação do Franco é de uma canastrice sem igual, com o ator se esforçando muito com caras e bocas para transmitir aperto. Tudo isso faz do filme um projeto assim vazio, sem muito o que dizer, o que depreender.

A Erva do Rato (Idem, Brasil, 2008)
Dir: Julio Bressane

Eu que não sou dos maiores fãs de Julio Bressane, me surpreendi ao ter gostado desse A Erva do Rato, seu mais último trabalho. O cinema dele é bastante peculiar, sem concessões, joga o espectador numa trama nunca explícita e cheia de esquisitices e licenças narrativas. Aqui, a história é livremente baseada em dois ótimos contos de Machado de Assis (A Causa Secreta e Um Esqueleto, muito embora pegue emprestado pouca coisa de cada um). Gira em torno de um casal que se conhece num cemitério e passa a viver juntos.

Quase todo o filme se desenrola dentro da casa dos dois, onde começa a se formar um jogo de sexualidade estranhíssimo: ele tem o fetiche de fotografá-la nua, sempre em ângulos muito fechados; ela, refém desse jogo, é seduzida, talvez inconscientemente, pelo prazer que lhe proporciona um misterioso rato (!?!) que ronda a casa. O filme tem seu ar de alegoria ao mesmo tempo em que enche de bizarrice as atitudes de seus personagens. Presos a seus desejos, eles seguem como que seduzidos por suas próprias vontades, fora de si; e as atuação de Selton Mello e Alessandra Negrini são de grande entrega, no tom certo de veracidade e vigor. O final aterrador é um atestado de até onde esse jogo pode durar e levar. O último plano, torto, deixa ainda mais claro o senso de deslocamento e desconforto.

A Origem (Inception, EUA/Reino Unido, 2010)
Dir: Christopher Nolan

Depois de passada tanta badalação em torno desse filme, também visto como um quebra-cabeça concebido pelo sempre competente Christopher Nolan, quis escrever algumas palavras para não passar batido aqui no blogue. A Origem é mais um exemplar do cinemão comercial inteligente e bem realizado que parece ser a maior qualidade de ser realizador (vide os ótimos Batman Begins, O Cavaleiro das Trevas, O Grande Truque). A trama é conhecida e acompanha um grupo liderado por Cobb (Leonardo DiCaprio) que consegue adentrar nos sonhos das pessoas, sendo possível implantar determinadas ideias em seus subconscientes.

É o tipo de roteiro instigante que dá gosto de acompanhar até porque prende a atenção do espectador que, na mesma medida em que espera respostas para os mistérios que vão sendo apresentados, anseia por surpresas que, aqui, vão surgindo a cada sequência. O desejo por adrenalina também é satisfeito porque a ação não para à proporção em que a trama “evolui” enquanto se tornar possível entrar no sonho do sonho do sonho do sonho. Mas talvez por todo esse caminho turbinado, o roteiro seja por demais confuso e cheio de detalhes impossíveis de se apreender de uma só vez. O problema disso é ser enganado sem ter consciência disso. Tecnicamente impecável, em especial nos quesitos de efeitos especiais, som e trilha sonora, mesmo assim, é um bom filme, mas longe da obra-prima que pintam.

11 thoughts on “Curtinhas

  1. Tive impressão mais ou menos parecida sobre o espalhafatoso trabalho de Boyle em QQSUM. É puro estilo sem muita coisa por baixo. Mas, mesmo assim, vou dar uma segunda chance pra ele com 127 HORAS.

  2. 127 horas não é tão terrível, vá? Fiquei com aquela cena de Aron cortando os ligamentos do braço na cabeça por dias.

    A Origem é uma das melhores coisas que vi em 2010, junto com Toy Story 3.

  3. Assisti a todos, Rafael. Não consigo gostar de Rohmer (somente A MARQUESA D'O) e Bressane. Eles me deixam entediado. Em relação ao Boyle, concordo com você, começou muito bem e vai desandando a cada filme. ENTERRADO VIVO é interessante, tenso, mas nada de especial. De todos eles, prefiro A ORIGEM, embora concorde também que não é uma obra-prima.
    Abração,

    – Estou com novos posts. Apareça.

    http://www.ofalcaomaltes.blogspot.com

  4. Vamos por partes:
    É legal ver 127 HORAS e ENTERRADO VIVO no mesmo post, já que os dois filmes partem de propostas semelhantes, mas tomam rumos bem diversos. Acho que gosto de ambos, apesar de achar o filme do Cortés bem mais corajoso. O estilo pop do Boyle irrita, diminui a força da experiência de seu filme, mas ainda assim acho menos incômodo do que no SLUMDOG MILLIONAIRE (que também não acho tão ruim…) Agora, discordo de você quanto ao Franco, acho que ele carrega o filme nas costas, é a melhor coisa de 127 HORAS.
    Sobre A ORIGEM, é bom ver um olhar sóbrio assim. Confesso que, quando assisti no cinema, saí encantado, considerando uma obra-prima. Depois o filme foi perdendo força na minha memória, mas ainda o considero grande. Preciso rever, definitivamente.
    Os outros dois ainda não assisti, mas, no caso do A ERVA DO RATO, devo fazê-lo em breve. Gosto do Bressane, e já estou com o filme aqui em casa. E seu texto sobre O JOELHO DE CLAIR me fez decidir por onde vou começar a conhecer o cinema do Rohmer.

  5. Gustavo, em comparação com Quem Quer Ser um Milionário?, 127 Horas é uma maravilha. Nâo é um filme vergonhoso, só possui várias escolhas equivocadas que estragam o filme como um todo.

    Fabiana, sei que realmente a cena transmite esse impacto, mas em mim não teve o mesmo efeito acho que porque eu já estava meio saturado do filme. E a edição não ajudou em nada. Já A Origem é bem bom, mas não precisemos exagerar.

    Antonio, do Rohmer preciso ver mais coisas, acho que é um questão de se habituar com o cinema dele. Já com o Bressane é mais difícil, mas por vezes ele acerta. Por ser tenso e superinteressante, acho Enterrado Vivo especial. E pode deixar que aparecerei no seu blog.

    Wallace, interessante essa relação que você faz entre Enterrado Vivo e 127 Horas, não tinha pensado nisso ao reunir os dois filmes no mesmo post. Mas acho o filme do Cortés melhor em todos os aspectos sobre o do Boyle. Acho que essa pegada pop exagerada que você cita é o que tem sido o grande problema dele. Mas ainda fico com pé atrás em relação ao Franco. Até na apresentação do Oscar ele tava naquele mesmo nível fraquinho. Em relação a A Origem também fiquei deslumbrado qaundo vi no cinema, mas depois a gente reprocessa melhor o filme e percebe que tem lá seus agravantes. Mas é um grande entretenimento, além de ter sido um filme de momento que alcançou grande sucesso junto ao público, causou sensação. Bressane é punk, mas acho que você gosta mais dele do que eu. E O Joelho de Claire é um ótimo começo para Rohmer.

    Kahlil, eu diria que o filme é eficientíssimo, faz tempo que não me surpreendia tanto com um filme que não é só mais uma ideiazinha legal.

  6. "Enterrado Vivo": apesar de assistirmos o resultado de uma ideia totalmente complicada (um único personagem, um único cenário), o filme me frustrou a partir do momento que o diretor usa de forma gratuita o contra-zoom. Isso prejudicou a experiência claustrofóbica que o filme estava rendendo até então.

    "127 Horas": acho difícil falar deste filme sem pensar em "Enterrado Vivo". E vice-versa. Mas o resultado que o Boyle conseguiu com esse daqui é bem inferior. Concordo com você a respeito do James Franco, um dos piores intérpretes do cinema americano contemporâneo, embora eu acredite que a ineficiência de sua performance é devido a montagem que o sabota a todo instante.

    "A Erva do Rato": também gostei do filme, mas foi porque encarei essa minha primeira experiência do Bressane de peito aberto. Gosto um pouco mais de "Cleópatra", mas a parceria Bressane + Negrini + Walter Carvalho merece ser repetida.

    "A Origem": acho este filme bem superestimado. Tecnicamente, é impecável, mas as performances são mecânicas (claramente o elenco não sacou qual era da história, apenas recitando o que estava no roteiro) e para um filme que se passa no universo dos sonhos ele é claramente limitado.

  7. Alex, não vejo porque o contra-zoom é tão prejudicial assim. Na verdade, vejo aquele momento mais como um estudo psicológico do personagem que se sente cada vez mais "afundado", não só no sentido literal, mas também em se sentir sem saída, sozinho. Enfim, é quase uma licença poética que o diretor utiliza.

    Em comparação com Enterrado Vivo, esse filme do Boyle é uma merdinha, nem se compara em tensão (que o norte-americano não consegue provocar). Montagem é ruim mesmo, mas o Franco também não ajuda muito.

    Dos últimos filmes do Bressane, esse foi o que eu mais gostei porque, apesar das bizarrices e loucuras, existem muitas coisas que se pode extrair da narrativa, muita coisa faz sentido no filme, além de ter um tom bem consistente. Se o Bressane fosse sempre assim…

    Superestimado é a palavra para falar de A Origem, embora não ache que o elenco seja deficiente. Só a quantidade de informação que é extensa demais para que a gente não se sinta um tanto enganado pelo roteiro.

  8. Rafael, apenas comentando sobre "Enterrado Vivo", eu tive problemas com os dois contra-zoom usados pelo cineasta. Talvez seja mesmo licença poética ou metáfora ou até mesmo referência a Hitchcock. Para mim, não funcionou bem em qualquer uma das três hipóteses. Aquilo para mim quebrou a magia do filme, fazendo eu encarar todo o restante como mera encenação e só.

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