CineBH – Parte I

Corpo Elétrico (Idem, Brasil, 2017)
Dir: Marcelo Caetano

 

Corpos inquietos e o anseio por ser um alguém realizado, em muitos sentidos pessoais, são o que buscam os personagens de Corpo Elétrico, longa-metragem de estreia de Marcelo Caetano. O filme segue as desventuras de Elias (Kelner Macêdo), funcionário de uma empresa de confecção de roupas. Ali, convive com uma série de amigos e está sempre à busca de encontros fortuitos com outros homens.

De forma muito livre e bem-humorada, Caetano nos apresenta um microcosmo formado por esses amigos e sua rede de relações afetivas em aberto que se concentram em torno de Elias. O filme prefere dispensar o conflito definidor da narrativa clássica convencional e se deixar levar pelas muitas possibilidades e desencontros que cruzam os caminhos dos personagens. E é claro que se aproximam dele pessoas muito abertas às experiências sexuais de muitos interesses – em Corpo Elétrico integram-se no grupo desde drags queens que fazem shows na noite até amigos héteros de Elias, como o colega da fábrica que está prestes a se casar com a noiva.

Sem um problema narrativo a ser “resolvido” pelo filme, Corpo Elétrico busca somente captar um estado de espírito de um grupo de pessoas vivendo suas vidas com as batalhas rotineiras de sempre, trafegando pela periferia de São Paulo. Em meio a isso tudo, Elias pula de caso em caso alimentando sonhos maiores de realização – talvez de quietude, tal qual a ânsia pelo mar que ele mesmo almeja logo num dos primeiros diálogos do filme.

Elias não é mais um espírito livre em busca de afirmação sexual – ele e seu grupo de amigos parecem muito bem resolvidos nesse sentido. Seus anseios são outros, e universais. Olhando mais a fundo, a ânsia de Elias é por uma realização pessoal mais profunda que talvez ele mesmo não saiba exatamente como alcançar – como também acontecia com os personagens de um dos melhores curtas de Caetano, Na Sua Companhia.

Corpo Elétrico é menos um filme militante da causa queer – ou pelo menos diretamente ele não o é porque a definição seria mais propícia para o tipo de entendimento de um universo que está procurar romper as amarras das convenções conservadoras de sexo e gênero. O filme não se ergue ao propósito de defender tal causa, ainda que, pelo simples fato de por em tela tais personagens, universos e culturas, acabe o fazendo transversalmente. Via questões sociais e relações desiguais de trabalho, o filme dimensiona a vida e a convivência dessa gente.

O filme faz um belo par com Tatuagem, de Hilton Lacerda, especialmente pela maneira com que ambos estabelecem um universo muito particular em que os personagens estão livres a expor e experienciar seus desejos e anseios amorosos e sexuais, pulsar de tesão e se entenderem como amigos, companheiros, apesar das diferenças. O longa de Caetano, porém, pode representar um passo à frente de Tatuagem porque no filme pernambucano o microcosmo daquela trupe de teatro, de algum modo, os cerca de companheirismo e proteção – ainda que rusgas nasçam dali.

Aqui, ao contrário, o ambiente é o da fábrica, das ruas de um bairro periférico paulistano, e não algo que possa, de alguma forma, “proteger” ou acolher aqueles sujeitos pela própria noção de refúgio que o grupo passa a representar. É ali naquele espaço marcado por outros atravessamentos, tão fluidos e frágeis, que o filme grita suas reivindicações de amor livre como algo necessário e urgente. Se Corpo Elétrico faz isso é pela simples exposição de corpos desejosos que, à flor da pele, querem se encontrar no mundo.

E Marcelo Caetano, com sua direção precisa e naturalista, constrói um caminho dos mais humanamente bonitos de se acompanhar enquanto o filme se desenrola. Filma aquele curso de vidas com a maior naturalidade do mundo, é agradável de ver e de acreditar. Não se trata mais de demarcar um território, mas de se entender no fluxo de tempo que passa para todos. Elias vê os dias correrem, mas quer, ele mesmo, deixar de correr sem destino para assentar e acalmar, mesmo que seja vencendo as ondas do mar.

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