Cine Ceará – Parte XI

Medo do Escuro (Idem, Brasil, 2015)
Dir: Ivo Lopes Araújo

Segunda experiência estético-sensorial essa de ver Medo do Escuro, pouco menos de seis meses após a primeira, ambas com acompanhamento musical ao vivo, capricho que garante uma força no mínimo descomunal ao filme. A primeira vez certamente é mais forte enquanto impacto por aquilo tudo que vem como novidade e inquietação, bela construção de atmosfera para o que se apresenta em tela, apesar de poder ser muito bem digerida se prestarmos atenção aos signos todos que o filme oferta.

Agora, encerrando o Cine Ceará, num cine-teatro majestoso como o São Luís, nível de projeção, som e acústica de dar gosto de ver e ouvir, na cidade natal do coletivo Alumbramento, o filme tem o seu gosto por aquilo que representa para o grupo. Mas talvez uma segunda experiência faz embaralhar uma narrativa que não é de toda conclusa, agora misturada com novas percepções pessoais.

Com tom pós-apocalíptico, o filme é dirigido por Ivo Lopes Araújo e recebe o selo conceitual-inventivo-anárquico do coletivo Alumbramento. Ivo é mais conhecido como diretor de fotografia de diversos filmes dessa nova cena independente brasileira (como os longas Tatuagem e o baiano Depois da Chuva), e demonstra um vigor interessante em compor uma obra tão descolada das outras produções do grupo que já são, por si sós, tão pessoais e arriscadas.

Medo do Escuro narra as desventuras de um rapaz perdido numa cidade devastada, caótica e abandonada. Há algo entre o sujo e o deslumbre que compõe a atmosfera do lugar e o visual dos personagens, via maquiagem e figurinos bastante carregados, indo do lúdico ao bizarro, beirando o kitsch, abraçando o nonsense. A trilha sonora conta com muitas batidas e samplers eletrônicos, ruídos, sons guturais e bateria enlouquecida. Tudo para elevar a força de um filme totalmente sem diálogos, sem linhas narrativas autoexplicativas.

A história se apropria vagamente de elementos do filme de heróis em resistência num mundo distópico (referências podem ir de Mad Max a Fuga de Nova York, passando pelo submundo underground de filmes de vampiros rebeldes como Os Garotos Perdidos e Quando Chega a Escuridão, ou a psicodelia mal ajambrada de Duna), com direito a gangue de vilões mal encarados e uma guerreira misteriosa na trama. O filme brinca com as marcas de um gênero outrora popular, criando uma atmosfera de estranheza e aventura que vai convidando o espectador a embarcar naquela proposta e entender suas amarras narrativas, ainda que muito fique em suspenso.

O filme tem a característica de chamar a atenção para si mesmo pela energia que vigora dali, sem que isso seja mera propaganda; faz parte de sua própria natureza. Tem sua parcela de excesso que em alguns momentos soa repetitivo, como no final que se alonga mais do que necessário – talvez para que a catarse musical aconteça. Mas esse tom notas acima, over por excelência, é o que torna o filme tão vibrante em sua essência.

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