Cine Ceará – Parte III

Loreak (Idem, Espanha, 2014)
Dir: Jon Garaño e José Mari Goenaga

 

Drama com verniz intimista, Loreak se move através de um mistério lírico: uma mulher passa a receber flores de um desconhecido. Ane (Nagore Aranburu) entra precocemente na menopausa e sua vida conjugal parece fadada ao tédio. Num outro polo, sogra (Itziar Aizpuru) e nora (Itziar Ituño) estranham-se, enquanto o filho tenta conciliar a relação das duas.

Logo o filme toma o mote das histórias que se cruzam, tipo de estratégia narrativa já tão desgastada atualmente, mas aqui sem grandes pretensões e alardes. Uma tragédia faz a história se mover para confrontos que elas terão de resolver, enquanto se desfaz o mistério. É, portanto, um filme de sensibilidades femininas em que pulsam questões como saudade, remorso e, mais ainda, um embate entre o lembrar e o esquecer.

Vale dizer que, apesar de produção espanhola, o filme é na verdade realizado no país basco, falado no idioma local euskera (loreak, aliás, significa flores). Trata-se de uma das poucas produções espanholas recentes que fazem questão de honrar suas origens culturais. Mas o filme está longe de circular pelo embate político da questão, embora essas escolhas já sejam por si sós um ato político.

É também uma maneira de se tornar universal contando uma história muito particular de personagens que se confrontam com seus demônios. A narrativa caminha com segurança por entre esses conflitos, com ótimo desempenho do trio de atrizes. Talvez o excesso de reviravoltas na parte final dê a impressão de uma história que tateia em busca de uma saída carinhosa para todos, sem ofender ninguém.

 

A Obra do Século (La Obra del Siglo, Cuba/Argentina/Alemanha/ Suíça, 2015)
Dir: Carlos Machado Quintela

 

Fala-se muito, e à exaustão, do lugar intermediário entre ficção e documentário utilizado em tantos filmes nos últimos anos. A Obra do Século é um interessante exemplo de como essa dicotomia pode gerar um filme desordenado, em que esse entrelugar soa mais como um capricho do cinema contemporâneo do que algo realmente palpável enquanto narrativa.

A história trafega em torno da cidade Eletronuclear, lugar que abrigaria técnicos soviéticos e trabalhadores cubanos empenhados na instalação de usinas nucleares que seriam construídas em Cuba com apoio da URSS. A iniciativa caiu por terra depois do acidente em Chernobyl e a derrocada do comunismo no leste europeu. Resta, então, uma cidade inacabada, quase abandonada, entre ruínas e velhas moradias. A fotografia em preto-e-branco estabelece facilmente certo desânimo e sentimento de que não era para ser assim.

Para adentrar nesse universo, o diretor cubano Carlos Quintela cria um trio de personagens masculinos, avô, pai e neto, obrigados a viver sob o mesmo teto, estranhando-se, cada qual perseguido por seus fantasmas pessoais. Mas talvez a maior fantasmagoria que exista ali seja esse lugar de glórias prometidas, agora afundado em sua própria decadência, onde os personagens precisam levar sua rotina adiante.

Mas é aí que o filme parece não saber lidar com esses dois polos que, por vezes, poderiam perfazer filmes distintos, já que nem sempre essa relação dos personagens com seu ambiente ao redor é usada para criar e mover os conflitos que ali se desenham. Há toda essa melancolia que também reflete a existência absorta daqueles homens, mas é o link mais fácil que se pode fazer, pouco se vai além disso.

O uso de uma série de imagens de arquivo, que mostram a chegada dos técnicos e os primeiros passos da construção das usinas e da cidade, surge aleatoriamente no filme. Têm sua importância enquanto registro histórico inegável, mas podem soar redundantes. Da mesma forma, os desdobramentos dos dramas dos personagens fictícios têm algo de muito pessoal e podem caminhar para qualquer direção. A Obra do Século parece perdido entre sob qual registro é mais eficaz para observar esse local tão peculiar.

 

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