Caminhos de estranheza

Ventos de Agosto (Idem, Brasil,
2014)
Dir:
Gabriel Mascaro
***½
Com
Avenida Brasília Formosa, Gabriel
Mascaro filma um espaço peculiar e sua gente, seus desejos e anseios, na
esteira do cotidiano. Agora com Ventos de
Agosto
, a intenção parece ser a mesma. Mas indo um passo além nesse novo
trabalho, Mascaro consegue injetar elementos incomuns que tornam o filme um
corpo estranho na atual produção independente brasileira.
É
assim que Ventos de Agosto nos parece
enganar com suas belíssimas imagens colhidas numa vila de pescadores no
interior de Alagoas. A vida passa calma por lá, e o filme acompanha o cotidiano
sem pressa da jovem Shirley (Dandara de Moraes) e seu namorado Jeison (Geová
Manoel dos Santos). Ela ouve punk rock e quer ser tatuadora, ele pesca frutos
do mar e transporta os cocos colhidos naquela região.
São
dois personagens quase em contraposição: enquanto ela só está ali para cuidar
da avó doente, ele parece pertencer àquele lugar, ali finca suas raízes. Os
sonhos de futuro são diferentes para essas pessoas que estabelecem uma relação
muito forte – emocional, econômica, física – com aquela região, um lar. Mas
essa “historinha” será abalada por dois movimentos surpreendentes que o filme insere
na narrativa.
Primeiro
porque inclui ali a estranha visita de um homem que procurar gravar, com seus
equipamentos, o som do vento – e venta muito naquela região –, e também o
barulho do mar, uma espécie de “respirar” das entranhas do oceano. Vivido pelo
próprio Gabriel Mascaro, esse personagem desvirtua um tipo de história que
parecia ser somente de observação.
Mas
há um segundo elemento desvirtuador, inesperado: Jeison encontra o crânio de um
homem no mar e depois um corpo em decomposição na praia. Fascinado por aquele fenômeno,
tenta acionar as autoridades para dar fim ao morto, mas acaba ele mesmo por criar
certa afeição pelo corpo putrefato, cuidando-o para que seja velado e enterrado.
É
aí que o filme consegue ampliar sua visão de mundo e tornar-se universal (mais
do que a beleza do cotidiano de gente simples já consegue ser, fotografado
lindamente, também por Mascaro). O tema da morte e da falibilidade do corpo
adentra o filme como um mistério insondável, que atiça os personagens e faz questionar
o espectador.
Ventos de Agosto marca-se pelos
desvios narrativos que o tiram de certa zona de segurança, um caminho por
demais tradicional da contemplação, já trilhado por muitos filmes recentes. Elimina
o risco de filmar uma geografia habitada por gente simples de forma exótica,
exploratória. Prefere o caminho do bizarro, capaz de tirar o chão do espectador,
ainda que esteja calcada no fluxo natural das coisas. 

E
essa natureza bravia em captação parece, ela mesma, vigiar os caminhos incertos
que descortinam a vida dos homens. Sob ventania e mar bravio, a rotina desses
personagens confronta-se com os mistérios da natureza. Apesar da presença da
morte, há algo de pulsante ali, seja no ruído insistente que o vento provoca,
seja na respiração gutural do mar. E também nos corpos jovens que seguem no
fluxo da pulsão e do destino incerto.

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