Bafici: Vox Lux: O Preço da Fama

Os dilemas dos astros de rock, reais ou fictícios, que caem na desgraça, nas drogas ou no ostracismo já foram e continuam sendo matéria-prima no cinema – sobretudo depois do sucesso de filmes como Bohemian Rhapsody, o tema está longe de ser abandonado. Aqui mesmo no Bafici outro filme, também americano, lida com questões similares, Her Smell, do Alex Ross Perry. Mas Vox Lux (no Brasil, o filme tem o subtítulo genérico O Preço da Fama) consegue ser mais do que um retrato de uma estrela musical do pop, sendo também o de uma geração.

A começar pela gênese dessa artista: o filme inicia com imagens amadoras, registradas em VHS, da jovem Celeste, cantando em casa com a irmã, divertindo-se descompromissadamente. Mas na escola, num evento fatídico – jovens armados que invadem o local e promovem uma matança generalizada –, Celeste é atingida e vai parar no hospital. O caso torna-se emblemático, ultra noticiado pelos meios de comunicação, ganha a comoção da população americana; no meio disso tudo, Celeste recebe destaque ao se recuperar no hospital e cantar, junto com os demais sobreviventes da escola, numa homenagem aos colegas mortos, todas as câmeras apontadas para ela. Está aí a semente da pop star.

Ou seja, a estrela musical de Celeste nasce de uma tragédia juvenil, e é muito icônico que o jovem realizador Brady Corbet tenha escolhido esse tipo de evento por ser ele tão emblemático do século XXI, da violência contra inocentes, da falta de perspectivas de uma juventude desgarrada de valores e de educação. Corbet nasceu no final dos anos 1980 e esse tipo de atentado marca a sua geração. Há pouco tempo apenas um jovem ator promissor, Corbet estreou por trás das câmeras com o visceral A Infância de um Líder, e já dava para perceber ali um interesse pelo insólito, pelo inusitado, mesmo que muito encantado pelos recursos formais do cinema e por certa veia atmosférica.

Porém, aqui em Vox Lux, o agora cineasta preparou algo mais substancioso, também vigoroso formalmente, mas de narrativa muito mais sólida e personagens mais concretos. O filme acompanha o desenvolvimento dessa artista, seu amadurecimento – como mulher, como cantora – e logo a encontramos como a pop star de sucesso, no corpo e na voz de uma Natalie Portman deslumbrante, irada e um tanto cínica, marcada pelo tempo, pelos traumas, dores e delícias de ser um diva pop multimidiatizada, cujo percurso começou a ser desenhado naquele fatídico massacre escolar.

O salto temporal que o filme provoca ecoa uma trajetória reconhecível que passa pelo nosso imaginário diante da história de tantos artistas famosos de carreira atribulada. O filme tem a capacidade de sintetizar em um dia, via relações conflituosas com todos ao seu redor, os dilemas que fazem parte da vida de Celeste. No dia de uma de suas apresentações pirotécnicas, um atentado fatal em uma praia – os autores da matança usavam máscaras com o rosto da cantora – lança luz sobre a gênese da carreira de Celeste, e toda a mídia quer saber dela sobre as relações entre os eventos. Fora isso, ela ainda lida com os problemas que precisa resolver com a filha solitária (Raffey Cassidy, que também interpretou a jovem Celeste no início do filme), os conflitos com a irmã (Stacy Martin), sua produtora e sombra desde o início da carreira, e com seu tresloucado agente (Jude Law), por vezes também seu amante. É uma vida atribulada.

Celeste tem praticamente seu dia de cão, algo que remete diretamente ao tour de força emocional que vive o protagonista de Birdman, mas sem a vertigem labiríntica. Só que aqui a própria Celeste ganha uma roupagem amargurada, uma personalidade difícil, corrompida pela fama e por toda a pressão que sempre recaiu sobre ela. O sonho americano do estrelato ganha contornos arrasadores da vida de alguém e, nesse caso, irreversíveis. Corbet, porém, no último minuto, escapa sabiamente de um moralismo vingativo, de uma possibilidade de retaliação, via queda e humilhação que se desenha a partir do colapso, físico e emocional, da artista; ele sabe o momento exato de tirá-la desse lugar de fracasso e revelar as engrenagens que amparam o star system – não nos enganemos, Celeste é só mais uma peça nessa cadeia de brilho, glória e dinheiro. Mais fortes são os poderes do capital e da máquina que sustenta os ídolos.

Vox Lux: O Preço da Fama (Vox Lux, EUA, 2018)
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brad Corbet

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