Vênus nua

Sob a Pele (Under the Skin, EUA/Reino
Unido/Suíça, 2013)
Dir:
Jonathan Glazer 
A
impressão mais forte durante a exibição de Sob
a Pele
é de se estar, do início ao fim, diante não de uma obra que se
utiliza dos elementos da ficção científica, mas sobretudo de um genuíno
exemplar do gênero. O mais misterioso, mais intrigante, estimulante, cheio de interrogações
que permanecem com o espectador e que o interpelam.
Glazer é
dos cineastas raros que nunca busca o óbvio em seus trabalhos, realizando
filmes com muita personalidade, mas diferentes entre si. Flertava com o pop e o filme de máfia em Sexy Beast, buscou a estranheza em Reencarnação, história muito realista
apesar da impressão inicial, e agora se entrega à obscuridade de uma trama sem
caminhos fáceis.
Sob a Pele acompanha uma personagem
misteriosa (Scarlett Johansson), tudo indica ser uma alien que chega à Terra, assume corpo feminino e busca presas
masculinas. Ela conta com a ajuda de um também misterioso personagem motoqueiro
(terráqueo? um alien já estabelecido
aqui? um escravo?). Mas sua maior arma é o próprio poder de sedução do qual tem
plena consciência de possuir.
O grande
trunfo do filme é nunca entregar suas artimanhas de badeja. É uma experiência
de imersão, embora nem tudo seja indecifrável, tipo de coisa que exige
participação do espectador para significar o que vê na tela. As cenas iniciais,
por exemplo, banhadas em som e luz instigantes, apontam para a chegada desse
ser na Terra, ganhando forma, enquanto aprende, não se sabe bem como, o inglês
bretão para se comunicar com as pessoas na Escócia onde ela aporta e passa a atacar os homens desavisados. Para
quê finalidade, não se sabe.
Aliás,
há um trabalho de som e trilha sonora muito forte aqui, ajudando Glazer a
estabelecer, desde o início, o tom soturno dessa história que vai ganhando ares
cada vez mais bizarros. A cena do primeiro “ataque” é qualquer coisa de incomum
(e fenomenal) pela inevitabilidade de como se dá, acrescida, na segundo
investida, de outros detalhes peculiares.

Se a
narrativa do filme é entregue a esse todo intrigante, interessante perceber
como essa protagonista é fisgada pelo desconhecido dos segredos humanos. Ela vai
descobrindo, aos poucos, seu novo corpo e também a gentileza de alguns homens
(eles não são todos iguais, afinal!). Ela, que parecia senhora da situação,
vacila e passa a questionar sua posição, buscando mesmo experimentar algo que
lhe pareça novo, anormal, também misterioso para si.
Nesse
momento, há uma cena quase banal, mas fundamental para tentar
entender os descaminhos dessa personagem na Terra: depois de seduzir mais uma
vítima (ou se fazer de seduzida), ela entra no jogo dele, vai para sua casa e
aceita deitar-se com o gentil estranho. Mas no momento exato da penetração, afasta
o homem, busca um abajur e ilumina o próprio sexo, como se questionasse o que
de fato tem ali que aqueles homens tanto almejam. 

É o
mistério de se descobrir mulher, e, especialmente, de ter um corpo que inspira (e busca?)
satisfação em outro corpo, apesar dela não entender bem como e por que isso
acontece. Johansson, desnudando-se para compor essa personagem com uma frieza
exemplar, acaba, no fundo, revestindo-se de segredos, fisgada pelo enigma
humano, perdendo-se nele.

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