Últimas curtinhas do ano

Como a quantidade de filmes se intensifica nos últimos dias do ano (além de que dezembro foi um mês complicado), pouco tempo tive de atualizar o blog. Mas sempre no último post do ano aproveito para falar rapidamente de alguns filmes sobre os quais eu queria escrever aqui. E também para desejar um próximo grande ano para todos que visitam esse humilde espaço (e que faz dele um lugar vivo). Saúde, paz e prosperidade para todos. Com muito cinema.

Machete (Idem, EUA, 2010)
Dir: Robert Rodriguez e Ethan Maniquis

É preciso fazer determinadas concessões para embarcar na viagem proposta por Robert Rodriguez. Aliás, basta lembrar de seu Planeta Terror com sua produção trash B para identificarmos ambos os filmes como produtos gêmeos. Machete surge, inclusive, de um trailer falso feito para o projeto Grindhouse e se tornou um longa delicioso, numa mistura inusitada entre a ultraviolência e o político. O protagonista, defendido com cara de mal por Danny Trejo, é um imigrante mexicano que trabalha como matador de aluguel.

Ele se envolve numa trama de conspiração política quando é traído depois de aceitar assassinar o senador McLaughlin (Robert De Niro, numa participação inusitada, mas que só reforça a versatilidade do ator). O filme ainda traz um subtexto politizado ao enfocar a situação dos muitos mexicanos que trabalham ilegalmente nos EUA, e a política xenofobista que o senador defende só enriquece esse tom. Exploitaition e gore, Machete não precisa ser levado sempre a sério. É isso que garante a diversão.

Tetro (Idem, EUA/Argentina/Espanha/Itália, 2009)
Dir: Francis Ford Coppola

Francis Ford Coppola sempre teve uma veia alternativa. Entre Poderosos Chefões e Apocalipse Now, realizou outros filmes mais pessoais como O Selvagem da Motocicleta ou Cotton Club. Depois de 10 anos sem filmar, lançou Youth Without Youth (que nunca chegou aos cinemas do Brasil) e agora esse Tetro, viagem em magnífico preto-e-branco de um rapaz (o novato Alden Ehrenreich) que tenta desvendar suas origens através do irmão (Vincent Gallo, explosivo) (de Angelo, passa a se chamar Tetro) que se refugiou na Argentina, onde o filme quase todo se passa. Poderia dizer que é um trabalho menor, mas de enorme potência emocional, filmado com maestria e pleno domínio da linguagem.

A personalidade forte de Tetro se justifica pelos segredos e dramas familiares que vão sendo descobertos aos poucos por seu irmão mais novo. Coppola cria um caleidoscópio de lembranças (em cores fortes) e devaneios (em forma de espetáculo musical), tendo a importância da família como ponto de partida. Mas talvez o que enfraqueça um tanto o projeto seja o excesso de explicações num final que demora demais para se concluir. A reviravolta parece também um golpe baixo para tornar o filme mais surpreendente. De qualquer forma, um belo exemplar de cinema autoral e independente que, mesmo assim, e por ser de quem é, guarda sua potência.

Insolação (Idem, Brasil, 2009)
Dir: Daniela Thomas e Felipe Hirsch

Esse é o pior tipo de produto: aquele que tem altas pretensões em ser “filme de arte”. Insolação, parceria entre Daniela Thomas e o novato no cinema Felipe Hirsch, trabalha com recursos que “identificam” os filmes menos comerciais (planos longos e estáticos, diálogos que se querem poéticos, longos silêncios e pausas dramáticas, personagens disfuncionais, momentos de reflexão). O filme reúne uma gama de personagens perdidos no tempo e espaço em busca do amor, numa efervescência de paixão.

É até bonito dizer essas coisas, mas a noção de vazio já é percebida desde o início da projeção. O filme caminha para o insosso, com seus personagens sendo obrigados a partirem por caminhos bizarros e sem nexo, numa tentativa frouxa de parecer “complexo”. Mas o maior pecado do projeto é juntar grandes atores como Paulo José, Leonardo Medeiros, Simone Spoladore e Leandra Leal e lhes dar personagens e textos ridículos, constrangedores mesmo. O cinema nacional não precisava disso.

Abutres (Carancho, Argentina/Chile/França/Coreia do Sul, 2010)
Dir: Pablo Trapero

Abutres é um filme bastante equilibrado. Ao mesmo tempo em que denuncia fortemente o esquema das firmas de advocacia que lucram sobre as indenizações daqueles que sofreram acidentes de trânsito, é também um filme sobre o encontro de dois personagens solitários que vivem nesse (sub)mundo. Um deles é o advogado de quinta Sosa (Ricardo Darín) que sobrevive desses golpes, e a outra é a paramédica Luján (Martina Gusman, esposa do diretor), que trabalha madrugada afora socorrendo os acidentados. Como se não bastasse, o filme é dirigido por um dos melhores cineastas argentinos da nova geração.

Pablo Trapero, com seus planos-sequências característicos, deixa várias pistas pelo caminho, revelando nuances de sua história (como o fez nos ótimos Leonera e A Família Rodante) sem nunca parecer taxativo em nenhum ponto (assim, o filme nunca adota aquele ar de panfleto autoimportante, embora cutuque a ferida). Além disso, conta com a sempre grata presença de Ricardo Darín, ator fetiche no cinema argentino, em mais um trabalho memorável; e embora Martina Gusman deixe um pouco a desejar, seus personagens, falhos, vagam em busca de saída para uma vida que gira em sua própria sordidez, cada qual a seu modo. O final, que vem como uma pancada num magnífico plano-sequência, só reforça a impossibilidade de redenção.

Eu Matei Minha Mãe (J’ai Tué Ma Mère, Canadá, 2008)
Dir: Xavier Dolan

Xavier Dolan tinha 20 anos quando dirigiu esse filme, tornando-se um grande sucesso de crítica ao redor do mundo. O fato dele também protagonizar o longa aumenta ainda mais a admiração em torno dele. Mas não consigo ver onde está tanta competência num filme cheio de maneirismos e afetações que faz do projeto uma tentativa de realizar “filme de arte” (essa praga, de novo). Tudo soa muito irritante na história conflituosa entre um filho gay e sua mãe divorciada (Anne Dorval), sempre alheia a sua vida.

O maior problema reside na construção rasa dos personagens. O filho é um mimado histérico, que só vive aos gritos com a mãe (quase como uma tentativa do diretor-ator em se autopromover a uma atuação que se quer “explosiva”). Já a matriarca, em sua apatia, parece a mais perdida na história; nunca sabemos até que ponto ela se importa com o filho ou o odeia ou só o tolera. Daí, surgem situações as mais esquisitas, filmadas com vários maneirismos, como câmera lenta, flashback em preto-e-branco, enquadramentos hiperrestilizados, fotografia superrealista. E o pior é a impressão de que tudo isso parece existir somente em função da cena final. Dolan precisa crescer.

Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, EUA, 2010)
Dir: Lisa Cholodenko

Filme independente que chamou muita atenção pelo inusitado de sua história: dois jovens filhos de um casal de lésbicas, gerados por inseminação artificial, resolvem conhecer o pai biológico. O encontro acende conflitos os mais diversos naquele núcleo familiar. O filme só tem boas intenções, a começar pela naturalidade como expõe a convivência daquela família, mas muitas vezes não sabe dar dimensão aos dramas que vão surgindo, partindo sempre para escapismos. Eles brigam, fazem as pazes, brigam, fazem as pazes (embora o final do filme possua uma bela defesa da família enquanto instituição sólida, independente das diferenças, muito bem-vinda).

Os filhos (vividos por Mia Wasikowska e Josh Hutcherson) são meio que desperdiçados pelo roteiro, pois os maiores conflitos se encontram entre as duas mães. Annette Bening e Julianne Moore (ótimas nos papéis) já vinham enfrentando desentendimentos num relacionamento em que a primeira ocupa claramente o posto de “chefe” da família enquanto a outra é a dona de casa. A chegada do pai biológico (Mark Ruffalo) provoca, inicialmente, reações de insegurança, suscitando desentendimentos que só servirão para abalar o casamento de ambas, e é dessa crise que a relação delas fica mais forte. Assim, Minhas Mães e Meu Pai suscita boas questões sobre a constituição da família, mas tem várias besteirinhas no caminho que enfraquecem bem o filme.

5 thoughts on “Últimas curtinhas do ano

  1. Apesar de ter ido muitíssimo bem junto à crítica nos EUA, boa parte dos comentários que vi de brasileiros como nós sobre MINHAS MÃES. reflete a sua opinião. Parece pouco interessante. Já TETRO…

  2. Gustavo, mas tenho visto muita gente falando muito bem do filme. Acho fraco, mas tem aquele tom de simpático que ganha muita gente. E ainda um elenco muito bom. Já Tetro é bem bom, apesar dos deslizes.

    Então Kahlil, como eu tava comentando com o Gustavo aí em cima, acho que o filme dividiu muito as opiniões.

    Matheus, no fim das contas, acho que o filme se repete muito, com umas intriguinhas forçadas.

    Acho que essa é a ideia, Wallace. Mesmo esse Machete que tem um subtexto político, pode ser levado na brincadeira trash. Abutres é mesmo incrível e Tetro só não é um grande filme por pouco.

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