Trilogia Rua do Medo

Horror em dose tripla*

Rua do Medo: 1666 – Parte 3, lançado este final de semana na Netflix, encerra a trilogia de terror juvenil que tem sido a sensação da plataforma neste mês. Disponibilizado cada um em uma semana, desde o início de julho, Rua do Medo é ao mesmo tempo um tributo ao cinema de horror mais sanguinário, aos moldes dos filmes de serial killer e centrado em personagens adolescente, mas também aponta para algumas renovações temáticas dentro desse tipo de narrativa.

Dirigido pela cineasta Leigh Janiak, as histórias são adaptadas de uma série homônima de livros escrita por R. L. Stine. É um farto material – são mais de 50 obras lançadas desde o final dos anos 1980 – de onde se extraem as diversas histórias e o clima de medo e mistério que encontramos na trilogia. Trata-se de uma trama de fato muito coesa, muito interligada entre si, o que faz com que os filmes, situados em épocas históricas distintas (1994, 1978 e 1666, respectivamente), funcionem como uma narrativa única, tal qual um seriado.

Se há algo de novidade em termos de estratégia de lançamento, favorecida pela disposição da Netflix em estrear cada filme no intervalo de apenas uma semana, os filmes oferecem aquilo que os fãs do gênero querem ver: muito sangue, conflitos juvenis comuns na adolescência e confabulações que remetem a uma antiga maldição que assola a pequena cidade de Shadyside.

Pois o lugar é conhecido como a capital dos assassinos em série, dados os diversos casos de pessoas aparentemente “normais” que surtaram repentinamente e passaram a cometer assassinatos brutais sem maiores explicações. Há uma lenda de que uma antiga bruxa, que viveu no local há muito anos, lançou como vingança aos moradores locais uma maldição do qual é impossível escapar.

E eis que um grupo de jovens, após um conflito com equipes de uma cidade vizinha, acaba tendo contato com os restos mortais da suposta bruxa no meio de uma floresta, o que reacende a maldição. Os antigos assassinos passam então a perseguir o grupo ao redor de Deena (Kiana Madeira), ela que tenta reatar o namoro com Samantha (Olivia Scott) e enfrentar o preconceito da sociedade quanto ao relacionamento das duas.

Rua do Medo: 1994 – Parte 1 estabelece, portanto, espinha dorsal a sustentar a trilogia que só vai ganhando mais desdobramentos com os filmes seguintes. É um longa que abraça com muita segurança e consciência o slasher e faz clara referência aos filmes desse subgênero que faziam sucesso nos anos 1990, com claro destaque para a franquia Pânico.

Ainda assim, é um longa que caminha com pernas próprias (o melhor dos três) e, mais que tudo, reúne um conjunto de personagens carismáticos, ainda que um tanto estereotipados. O espectador se importa com eles e esse é um tipo de empatia muito bem-vinda para personagens que podem morrer a qualquer instante.

Verão sangrento

Mais ensolarado, mas não menos sangrento, é Rua do Medo: 1978 – Parte 2. A trama remonta à década de 1970 e ali descobriremos mais sobre o passado de alguns personagens secundários no primeiro filme e que serão importantes para o desenrolar da história – e quando a lenda da bruxa Sarah Fier torna-se cada vez mais palpável e perigosa.

Ainda assim, a segunda parte da trilogia consegue ser um pouco mais independente em termos de personagens, uma vez que apresentam outros adolescentes com conflitos distintos. No centro da trama estão as irmãs Ziggy (Saddie Sink) e Cindy (Emily Rudd). A primeira é mais encrenqueira e rebelde, enquanto a segunda tenta ser a mocinha comportada e exemplar. Ambas, porém, sofrem com o abandono paterno e a desestruturação na família.

O filme se passa todo em um acampamento de férias durante o verão daquele ano quando um dos jovens começa a ter comportamentos estranhos. O segundo filme possui a mesma agilidade narrativa do primeiro e certo sabor de anarquia juvenil, até que as coisas começam a ficar mais sanguinolentas. Há referências a obras seminais do gênero como Sexta-Feira 13 e Halloween, ainda que o filme se assegure dentro da trama maior da trilogia.

Bruxas nunca mais

Finaliza a tríade o filme mais fraco dos três, apesar de conter seus bons momentos, especialmente a metade final em que as coisas convergem e os nós do conjunto da trama são desatados. Grande parte deste terceiro filme remonta ao ano de 1666 e tem gosto de folk horror, à lá As Bruxas de Salem ou O Homem de Palha.

É bem o estilo dos filmes coloniais antigos em que as coisas estranhas e macabras que acontecem em pequenas comunidades rurais são geralmente associadas a forças mitológicas do mal, a saber do próprio diabo. Às mulheres recai o estereótipo de bruxas que tentam enganar e enfeitiçar os homens, apontadas como serviçais das forças diabólicas. No caso de Rua do Medo, conhecemos finalmente Sarah Fier e os seus verdadeiros anseios.

É nesse ponto que o filme mais contribui para uma renovação e desmistificação de certo lugar comum misógino que há nessas circunstâncias – e do qual o cinema sempre se aproveitou. Sendo uma cineasta mulher, Janiak está muito atenta aos tipos de representação feminina que são reproduzidos no cinema de horror, desde há muito tempo, e a trilogia tem um claro intuito de bagunçar um pouco tal perspectiva.

A “bruxa” Sarah Fier ganha centralidade na trama e iremos descobrir de fato o que está por trás da suposta maldição que pesa sobre Shadyside desde tempos coloniais. E aí mais uma série de novos personagens aparecem na trama. Nesse ponto, o filme até consegue criar uma nova ambiência crível e pertinente, mas é mais difícil, à essa altura, desenvolver tipos que não fujam de certas caricaturas.

Outro porém é que se resolveu escalar os mesmos atores centrais para viver novos personagens no terceiro filme, e muitos deles acabam repetindo conflitos e motes narrativos já vistos antes, o que acaba descaracterizando um pouco esse momento. De qualquer forma, Rua do Medo tem saldo positivo de modo geral e acaba por oferecer um ótimo produto de gênero, referencial, mas também conectado com os novos tempos e com as possibilidades reais de promover pequenas subversões estruturais.

Rua do Medo 1994 / 1978 / 1666 (Fear Street, EUA, 2021)
Direção: Leigh Janiak
Roteiro: Leigh Janiak, Kyle Killen, Phil Graziadei, Zak Olkewicz, Kate Trefry

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de  18/07/2021)

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