Pé na estrada e na melancolia

Turnê (Tournée, França, 2010)
Dir: Mathieu Amalric

Que grata e bela surpresa é esse Turnê. Além de ser dirigido pelo excelente Mathieu Amalric, muito mais conhecido e reverenciado pelo seu trabalho como ator (dirigiu anteriormente curtas e projetos para a TV, além de dois longas para cinema), o filme é muito mais melancólico do que possa parecer à primeira vista, uma vez que se insere no universo dos espetáculos farsantes e caricatos do neoburlesco.
Esse estilo de apresentação é composto por números musicais performatizados por mulheres muitas vezes fora dos padrões de beleza escultural, com traços de exagero e paródia, ligados ao striptease. Nesse sentido, o filme poderia muito bem exalar descontração (como é o caso do recente e péssimo Burlesque, com Cristina Aguilera e Cher, que é mais um conto romanesco da lição de moral do “lute por seus sonhos” que Hollywood tanto reprocessa). Por sua vez, Turnê revela aos poucos as tristezas escondidas por seus personagens.

No filme, por mais que os espetáculos e o grupo de dançarinas sejam bem divertidos a seu modo over e exótico, o foco da história recai sobre Joachim (Mathieu Amalric), espécie de empresário que agencia o grupo nos EUA, mas que retorna à sua França natal para realizar uma turnê com o espetáculo. No entanto, sua ida ao país de origem esconde muitas outras questões mal resolvidas relacionadas à sua vida individual.

O filme traz à tona resquícios da história pessoal de Joachim sem nunca ser óbvio ou mesmo explicativo; é como se espreitasse os reencontros com o irmão, pai, ex-amante (todos de forma conflituosa) e filhos, enquanto o espectador tira suas conclusões dos possíveis motivos das rixas e choques ali existentes, ao mesmo tempo que faz um retrato desse homem cheio de contradições.

É como se deixasse nas nossas mãos o entendimento de sua pessoa; mas por mais que possa parecer sem escrúpulos, o tratamento dado ao personagem nunca é de julgamento, principalmente por conta de um tom triste que toma o longa, revelando decepções passadas não só de Joachim, como também de outros do grupo, apesar de levarem adiante um espetáculo tão alegórico e caricatural.

O grupo de garotas inicialmente se mostra bastante animado, cheio de um vigor que se reflete na desfaçatez com que se apresentam no palco (principalmente ao tirar a roupa). Mas por trás disso, existem pessoas e sentimentos envolvidos. Nesse sentido, Mimi Le Meaux (Miranda Colclasure) acaba se tornando a mais focalizada no roteiro ao revelar um certo envolvimento com Joachim, além do choque com a idade. Mas todas, sem exceção, estão ótimas em cena, esbanjando naturalidade, afinal representam suas próprias personas nos shows reais que realizam.

E apesar das desavenças, aquelas pessoas parecem bastante ligadas entre si, como uma família de artistas que, juntos, fazem conhecer seu show de espevitações pelo mundo, se divertindo muito no caminho. Se a câmera de Amalric lembra muito o que faz John Cassavetes é porque existe uma sensação de que a história tem vida própria, sendo perscrutada por um narrador invisível, revelando nuances nunca explícitas e nem sempre tão felizes de seus objetos de observação.

7 thoughts on “Pé na estrada e na melancolia

  1. E se revelou um ótimo diretor também, Antonio. Mas ele é desses grandes atores que a gente tem hoje, e nesse filme ela está ótimo como de costume, sem falar que o filme é mais sobre o personagem dele mesmo do que sobre as performers. Muito bom.

  2. Stella, fico muito feliz por poder divulgar bons filmes que realmente têm pouca visibilidade no mercado. Acho que essa é uma das funções dos críticos ou resenhistas de filmes. Acaba que o blog é um espaço alternativo para isso. E procure o filme, é muito bom.

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