Nobre narrativa

O Discurso do Rei (The King´s Speech, Reino Unido/EUA/Austrália, 2010)

Dir: Tom Hooper

A manipulação (no bom sentido) da linguagem cinematográfica é o grande diferencial no trabalho de um cineasta e, por extensão e como defesa feita por muitos, aquilo capaz de aplicar ao filme o estilo de seu realizador. David Lynch, Martin Scorsese, Irmãos Coen, Mike Leigh, Ken Loach (só para ficar em exemplos norte-americanos e ingleses contemporâneos) possuem todos um tom particular que se evidencia muito bem em suas películas.


Por outro lado, há aqueles que defendem e praticam um cinema mais clássico, direto e objetivo, e nem por isso menos interessante e valoroso. O classicismo na sétima arte parece ter sua grande morada nos EUA com sua indústria de fazer filmes mais palatáveis para o público, e em extensão no Reino Unido.

Faço toda essa abordagem porque é sob a estrutura clássica que O Discurso do Rei se escora, ganhando força enorme nos últimos dias nesta corrida pelo Oscar 2011. Parece até uma tentativa da Academia de mostrar que ainda valoriza esse tipo de produto, americano por excelência, depois da vitória improvável de Guerra ao Terror sobre o comercial Avatar. (Engraçado que A Rede Social, grande oponente deste ano, possui uma narrativa da mesma forma mais clássica).

Mas se existe grande valor nessa estrutura mais tradicional (o que dizer do cinema de um Clint Eastwood ou um Steven Spielberg?), isso não quer dizer que por si só seja sinal de qualidade. O Discurso do Rei parece preso nessa armadilha uma vez que sua história é boa apenas, bem atuada e tecnicamente impecável, mas parece faltar vigor.

Nada de grandes surpresas, seja no texto ou na direção, nem grandes arroubos dramáticos que justifiquem a supervalorização do filme. Mesmo os atores, todos muito corretos, estão longe de seus melhores momentos. Colin Firth, provável vencedor do Oscar, estava muito melhor em Direito de Amar, por exemplo.

Junta-se a isso o caráter “nobreza” ao trazer a história de um membro da família real e um desafio inusitado: o rei George VI precisa vencer uma gagueira insistente (que, na verdade, nem é tão acentuada assim – até nisso o filme parece modesto). O desafio do rei ganha ares de maior pertinência quando a Segunda Grande Guerra bate às portas da Europa e, com isso, exige dos governantes pulso firme.

No caso do rei George, que não estava predestinado ao trono e só subiu ao poder por conta da abdicação de seu irmão por questões pessoais, seus pronunciamentos feitos no rádio tiveram a função de conservar em alta o moral da população ameaçada pelo conflito mundial. O que o país menos precisava naquele momento era de um monarca que vacilava quando abria a boca para encorajar os cidadãos.

Assim, o filme se debruça nos esforços do rei (Colin Firth) para controlar seu problema. Para isso, conta com a ajuda de um terapeuta vocal (Geoffrey Rush) e seus métodos pouco ortodoxos, e o apoio de sua fiel esposa (Helena Bonham Carter). Com esse argumento, o roteiro consegue ser preciso, dando conta de bons diálogos, mas sem avançar tanto nas correlações entre os personagens.

Vale destacar a amizade que se constrói entre o rei e Lionel, marcada por uma sutileza incrível e acentuada pela posição social distinta de ambos. Além disso, Lionel recebe algumas falas engraçadas e fica, portanto, encarregado de ser o alívio cômico que o filme administra muito bem.

O longa passa como um belo exercício de classicismo, desses que dá gosto de ver na tela, embora saibamos que há muita perfumaria ali. Nobre em seu tema, nobre em sua forma, O Discurso do Rei tem pouco a dizer, mas mantém a realeza até o fim.

5 thoughts on “Nobre narrativa

  1. Concordo contigo, Rafael, assino embaixo. Bom filme, mas que não merece em nada os prêmios que vem recebendo (na verdade, considero apenas o Firth merecedor, gosto demais do seu desempenho). Comparemos com A REDE SOCIAL: ambos têm estruturas clássicas, como você apontou, mas o filme sobre o Facebook exala vigor e força dramática, além de ter um protagonista fascinante. Já O DISCURSO DO REI…

  2. Ainda que um trabalho MUITO convencional, redondo e nada inovador – mesmo assim, o filme é uma delícia de se ver. Cativa, diverte, emociona mesmo! É impressionante como eu gostei desse filme. Ainda mais pelo bom roteiro de David Seidler e da maneira como Colin Firth (que por sinal está maravilhoso, em momento INSPIRADO) conduz seu personagem. Geofrey Rush é seu contraponto perfeito, gosto muito das cenas de ambos, como você bem pontuou no texto.

    A direção de Tom Hooper é segura, aliado pela trilha sonora perfeita de Alexandre Desplat. Eu gostei do filme, só acho que não merece os Oscar de filme e direção – “Cisne Negro” ou mesmo “A Origem” que são, ao meu ver, merecedores disso. E eu gostaria de ver Helena Bonham Carter premiada por esse filme, mas por ser uma personagem contida, dificilmente isso ocorrerá.

    Abraço

  3. Kahlil, pois eu fiquei bastante decepicionado por o filme ter vencido o Oscar (pior ainda foi ver o medíocre do Tom Hooper tirar a estatueta do Fincher). Acho que não passa de um filme esquecível.

    Realmente Wallace, além dos quesitos técnicos, a melhor coisa do filme é a atuação do Firth, que nem tá tão excelente assim, mas ele se tornou um grande ator. Perto de A Rede Social , O Discurso é um enfado.

    Gustavo, acho que não há nenhum problema no academicismo, contanto que você tenha uma história interessante para contar. Em O Discurso tudo é muito soft, muito sem grande importância, ou o filme não sabe dar importância a seus dramas.

    Cristiano, em mim o filme não inspirou essas sensações todas aí que você citou, mas tecnicamente é muito bom mesmo. Só não concordo quanto à direção do Hooper que eu acho medíocre. Não porque é clássica, mas porque tem alguns coisa bem ruizinhas, como enquadramentos e âgulos escolhidos. Sim, o Firth está ótimo, mas esteve melhor em Direito de Amar. E a Bonham Carter só está correta, nada mais que isso. Não é dos filmes mais animadores pra mim.

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