Mostra SP – Parte III

A Pequena Casa (Chiisai Ouchi,
Japão, 2014)
Dir:
Yoji Yamada 

O
diretor japonês Yoji Yamada move-se muito bem pelo terreno dos dramas
familiares e o melhor do melodrama. Foi com essa destreza que ele se atreveu a
refilmar a obra-prima de Yasujiro Ozu, Era
Uma Vez em Tóquio
, atualizado para os dias atuais, mas com a mesma
singeleza e respeito pelos dramas humanos, sem copiar o mestre japonês.
Com
A Pequena Casa, Yamada trabalha nessa
mesma chave, construindo um filme todo memorialístico. Um neto reencontra um
antigo diário da avó que acabou de falecer, passa a compartilhar de suas lembranças,
especialmente quando, na juventude, ela deixou a vida no campo para trabalhar
em casa de família. A presença da avó morta, interagindo com o neto, surge em
tela como a coisa mais natural possível, tipo de frescor que revela menos o
pesar e mais o respeito pelo qual os japoneses têm para com os mortos. E aqui,
pelo próprio passado.
Curioso
como Yamada, via melodrama – com direito a triângulo amoroso envolvendo a jovem
criada e a senhora patroa, apaixonadas pelo mesmo homem que deve ir para a front de batalha –, pontua a história do
próprio Japão, apreendendo certo sentimento de pesar de um povo que tanto sofreu
com o fim da II Guerra Mundial.
Mas
A Pequena Casa é menos uma alegoria e
mais uma simples história de paixões atravessadas pelos conflitos pessoais dos
envolvidos (e também pela própria História), sem apelar para maniqueísmos baratos. O filme consegue ser choroso
e delicado, trágico na sua melancolia latente, ainda que os personagens
respirem expectativas e tenham seus momentos de alegria. Nada mais justo no
mundo dos homens.
O Segredo das Águas (Fatatsume no
Mado, Japão, 2014)
Dir:
Naomi Kawase 

 
O
impacto da cena inicial de O Segredo das
Águas
parece guiar o espectador para uma história de mistério: uma garota
encontra o corpo de um homem morto na beira da praia. Ela vive numa ilha no
Japão, cercada de belezas naturais e gente que cultua ritos ancestrais de
adoração das forças da natureza. A própria mãe da protagonista é uma xamã e
está à beira da morte.
Seria
uma história de pesar e dor caso a mão de Naomi Kawase não levasse o filme para
o terreno que lhe é tão reconhecível: o sensorial. Isso nem é tão difícil num lugar
paradisíaco, cercado de espiritualidade. Mas a vida real também bate à porta,
através de um registro naturalista que Kawase constrói na narrativa, com câmera na mão, acompanhando
situações prosaicas – essas que logo tiram o gosto de urgência que o filme
parecia ter no início.
Se
o longa começa apresentando seus personagens e geografia singular de forma um
tanto acidentada, aleatória, a história logo se revela: trata-se de mais um
exemplar de rito de passagem, o mundo tomado como lugar de aprendizado. A
garota Kyoko (Jun Yoshinaga), 16 anos, vai conhecer o amor, o sexo e a morte, interagindo
com sua realidade, com os moradores da ilha, especialmente na companhia do
retraído Kaito (Nijirô Murakami).

lugar para beleza e delicadeza nesse filme, mas a diretora nunca permite que isso
se torne um subterfúgio estético maior que os dramas de seus personagens. Uma
das cenas mais emotivas do longa, bonita e triste ao mesmo tempo, se dá no encontro
de filha e mãe no leito de enferma, na iminência de deixar esse mundo. É quando,
de repente, o místico irrompe a cena, e o viver ou morrer passa a ser uma mera
diferença. Para os vivos, ainda resta o conforto da água.
Non Fiction
Diary

(Idem, Coréia do Sul, 2013) 
Dir:
Jung Yoon-Suk

 
A
impressão inicial de Non Fiction Diary
é que ele mira no capitalismo selvagem pós abertura política da Coreia do Sul de fins da década de
1980. O país tornou-se uma das maiores economias da Ásia, altamente industrializada
e exportadora. Um incidente com uma ponte, a queda acidental de edifícios e uma
série de crimes perpetrados por funcionários de uma loja de departamentos são
os exemplos escolhidos pelo filme para guiar esse estudo analítico. está em questão uma
sociedade que teve de se adaptar rapidamente a um novo estilo de vida. mas parece
ter cometido seus pecados e criado suas aberrações nesse processo. O resultado, porém, é um corpo
estranho em forma de documentário confuso.
É
uma pena que o filme abandone a sua melhor história para se tornar um estudo
nada investigativo – as conclusões e posições já estão dadas pelo longa – sobre
a instituição da pena de morte na Coreia do Sul, algo que só fica claro na
terça parte final do filme. O caso dos assassinos seriais, cometidos por
sujeitos doentios que, movidos por ódio, desejavam matar brutalmente pessoas de
classes mais abastadas – nouveau riches
odiados por terem se beneficiado de um sistema desigual – poderia muito bem
refletir um sistema sociohistórico que produziu aberrações comportamentais no
país.
Texto
rápido e altamente didático é narrado em off
enquanto o filme despeja uma quantidade considerável de imagens que se
pretendem dar conta da complexa rede de interconexões que o filme procura
fazer. Pode ser uma dificuldade do espectador ocidental pouco acostumado à história
recente de um país distante, mas a impressão maior é que Non Fiction Diary é uma bagunça que não sabe bem aonde quer chegar.
Foxcatcher – Uma
História que Chocou o Mundo
(Foxcatcher, EUA, 2014) 
Dir: Bennett Miller

 
John
du Pont quer ver a América vencer, Mark quer ser o melhor do mundo no que faz. Ele
pratica luta greco-romana, du Pont é um amante dos esportes, milionário, e
construiu um centro de treinamentos onde é o técnico obstinado a conduzir à
vitória os jovens lutadores. Mark tem um irmão, David, também lutador como ele. Ambos aceitam ser capitaneados por uma oferta tentadora de Dupont e terem condições de
concretizar seus sonhos, simbolizados por troféus e reconhecimento.
Foxcatcher concentra-se numa
relação que se torna estranha, carrega algo de misterioso e incerto nas
atitudes cada vez mais impositivas de du Pont. Contrapõe-se à fraqueza
emocional de Mark, sujeito pelo qual du Pont parece atraído, relação não muito bem
esclarecida pelo filme. Um assassinato vai brotar daí, caso verídico que é
o mote da história, apesar do filme interessar-se mais pelo processo que levou a isso,
ainda que sem explicações lógicas.
Esse
tom de estranheza é estabelecido, de cara, pela composição do personagem de du
Pont. Steve Carrell abandona seus tipos cômicos e embarca de cabeça (com um
pouco de maquiagem para envelhecê-lo) na construção de um personagem bruto, cada
vez mais prepotente, carregando algo de doentio no olhar, na respiração
ofegante e na determinação cega pela conquista de seus ideais, ainda que por
meio de tortura psicológica. Channing Tatum funciona muito bem como o homenzarrão
inseguro de si, não demora a entrar em conflito com o irmão, vivido por um Mark Ruffalo excelente
no papel. Um time de boas atuações conduzidas seguramente por Bennet Miller.
E
estamos lidando não com o diretor do verborrágico Moneyball – O Homem que Mudou o Jogo e sim com o cineasta do denso Capote. É nesse terreno do drama psicológico
que o diretor sustenta um filme que carrega densidade no ar, não abandona nunca
o peso de uma atmosfera que logo testemunhará uma tragédia. 

Como retrato de uma América superior e idealizada
(não só por ele, mas por toda uma sociedade), o comportamento de John du Pont
não passa de um reflexo de uma América fracassada na perseguição doentia de seus
valores.

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