Mostra SP – parte 5

Confissões de
Assassinato

(Nae-Ga Sal-In-Beom-I-Da, Coreia do
Sul, 2012)
Dir: Jung
Byung-gil 


  

Do
Foco Coreia que a Mostra traz esse ano com uma leva de filmes de um dos países
asiáticos mais prolífero em produção cinematográfica recente, é curioso notar
uma série de filmes policiais e de ação que os conterrâneos de Park Chan-wook
vem fazendo. O mais curioso é notar a qualidade técnica de filmes que carecem
de um suporte industrial muito potente em termos de produção.
É
o caso desse Confissões de Assassinato,
história um tanto quanto absurda, contada com o habitual exagero que parece ser
uma marca que une grande parte das produções coreanas. Somos confrontados com
um serial killer (Park Shi-hoo),
responsável pela morte de várias mulheres anos atrás, que vem a público lançar
um livro com suas memórias, a partir do momento em que sua pena é revogada por
causa do tempo em que o crime ficou sem solução.
Agora,
ele confronta cara a cara o detetive Choi (Jeong Jae-yeong), responsável pela
perseguição frustrada ao assassino anos atrás. O filme não para nunca em termos
de adrenalina, e acrescenta uma série de elementos nessa história que envolve a
mídia, a polícia e uma sociedade louca por espetáculo.

nisso um foco de drama muito forte pela perversidade dos crimes, mas o filme se
esforça muito em injetar humor negro em muitos momentos. A história só perde quando
resolve exagerar nas reviravoltas da parte final para criar grandes surpresas
num filme já saturado de violência e tensão.
Ontem Nunca
Termina

(Ayer No Termina Nunca, Espanha, 2013) 
Dir: Isabel Coixet
O
filme é futurista e apocalíptico, mas o que interessa a Isabel Coixet é a dor que
emana do drama quando dois personagens se encontram. Na Espanha de 2017, a
situação econômica é tão calamitosa que sobram poucas pessoas no país depois
que a recessão deixou milhões desempregadas e quase todos abandonaram seu lar. É
nesse clima de fuga e desolação que um antigo casal rememora dores passadas juntos.
A
atmosfera que ronda esses personagens é uma clara relação com a crise atual que
assola a Espanha, mas o filme é todo intimista. O casal está separado depois que
uma tragédia abateu-se na família, e o filme é todo preenchido por esse
reencontro, somente com esses dois personagens em cena, sustentados muito bem
pelos ótimos Javier Cámara e Candela
Peña.
Mas Coixet, que também assina o roteiro, nem sempre
é tão boa com os diálogos, num filme extremamente verborrágico que se perde nas
elucubrações e memórias dos protagonistas. O filme também não resiste a incluir
cenas que se passam notadamente na cabeça dos personagens só para acrescentar
ideias que lhes passam pelo pensamento. É um bom recurso, permite uma quebra na
estrutura a que a narrativa se propõe, mas logo cansa.
É interessante como o filme, nessa conversa/embate
que os dois personagens têm, consegue injetar informações aos poucos, à medida
que vamos montando a história que eles tiveram juntos e o motivo doloroso da separação.
Se mais curto, talvez rendesse uma história mais coesa e menos repetitiva.
2001: Uma
Odisseia no Espaço

(2001: A Space Odissey, EUA/Reino Unido, 1968) 
Dir:
Stanley Kubrick
É
como um sonho difícil de acreditar concretizado poder ver um filme dessa
magnitude numa tela de cinema, ainda mais se o local é aquela sala incrível do
Cinesesc. Por um bom tempo você pode ficar como o rapaz aí da foto, meio que
entontecido pelo que vê e experencia na tela larga como se ela fosse te engolir
a partir de todo o mistério que esse filme em especial carrega, te jogando nas
profundezas do espaço sideral e do mistério da evolução humana. 
E
a marca da incompreensão que persegue esse filme desde que foi lançado nos anos
1960, com imagens reais do espaço e do planeta Terra visto lá de cima, só
reforça como a obra encanta pelas possibilidades interpretativas que ela
carrega. Como experiência de ver o filme no cinema, 2001 cresce como se encontrasse o lugar ideal de exibição de onde
nunca devia ter saído.
Não
basta aqui dizer como Kubrick era hábil encenador, em como a atmosfera do filme
revolucionou a ficção científica no cinema, e em como o filme faz um paralelo
impressionante entre a vida primitiva e a evolução criativa a partir da
descoberta da ferramenta manipulável e de como essa mesma evolução criou formas
não-humanas capazes de pensar como humanos, criando e destruindo. Porque de uma
forma ou de outra, isso já foi dito e repetido, mesmo que essas marcas
tornem-se cada vez mais potentes quando se revê a obra.
No
fundo, e dessa vez vendo 2001 nessas
condições, o filme me parece como o tratado mais objetivo e onipresente sobre a
luta pela sobrevivência, do homem e da máquina, essa que foi criada pelo
próprio homem. Nesse círculo vicioso, ronda o mistério absoluto e infindável da
própria vida e de onde vem tudo isso que conhecemos e somos, fazendo renascer
um novo ser, brilhante, insondável.
Las Horas
Muertas

(Idem, México/França/Espanha, 2013)
Dir: Aarón Fernández 
O título desse filme traduz muito bem um clima de
apatia que toma conta do ambiente em que se passa a história. Sebastián (Kristyan
Ferrer) é chamado por seu tio para que cuide do motel de beira de estrada que
ele possui porque precisa viajar para cuidar da saúde. O jovem adolescente fica
praticamente sozinho e precisa se virar para atender os casais, arrumar os
quartos (ou procurar alguém que faça a limpeza e lavanderia) e cuidar da
estrutura do local.
Nesse ritmo em que pouca coisa acontece, o filme vai
paulatinamente revelando o foco central de sua história. No fundo, é um conto
de amizades improváveis, em que esse garoto cada vez mais se aproxima de uma
mulher (Adriana Paz), cliente habitual do lugar que passa horas no lugar à espera
do amante. Às vezes ele vem, noutras não, é quando ela tem a chance de se
aproximar de Sebastián.
Daí que o filme revela um estudo muito interessante
de personagens, acompanhando os ritos de passagem que esse garoto vive, sexual
e amorosamente, ao mesmo tempo em que é muito carinhoso com eles. Há toques de
uma singeleza interessante que nunca coloca o filme no campo do piegas ou do
simples filme de descobertas. É nessas horas mortas que a vida mais no
surpreende e ensina.
Cortinas
Fechadas

(Pardé, Irã, 2013) 
Dir:
Jafar Panahi e Kambuzia Partovi
Um
homem chega numa casa e de lá não parece poder mais sair. Vive escondido de
todos e tudo, ainda mais por ter em sua companhia um cachorro, animal que a lei
islâmica no Irã não permite que viva em residências. De repente, no meio da
noite, recebe a visita de um jovem casal que invade a casa por estar sendo
perseguido, em especial uma jovem que não pode ser encontrada pelas forças
oficiais do país.
Cortinas
Fechadas começa como esse filme em que casa se confunde com cativeiro e
esconderijo, lugar de repouso e de perigo. Mas é preciso ressaltar que esse é
um filme para quem conhece a situação pessoal em que vive Jafar Panahi hoje, em
prisão domiciliar, acusado de subversão contra o Estado iraniano por fazer
filmes que criticam seu país. É preciso também ter uma certa relação com alguns
filmes anteriores do cineastas, em especial O
Espelho
e O Círculo.
Do
último, a ideia de um país que mantém um grupo em cativeiro (no caso, as
mulheres; e a personagem feminina aqui é como uma síntese de todas aquelas que
são perseguidas no trabalho anterior) reverbera no aprisionamento de outro
grupo constantemente vigiado (o dos artistas, de forma geral). E do primeiro
filme, Panahi reprisa o ruptura que os divide em dois, num dos momentos mais
incríveis do filme, sem nenhum tipo de alarde que denuncie o real objetivo e
foco dessa história.
É
quando Cortinas Fechadas
transforma-se num filme ensaio em primeira pessoa, assim como era a obra
anterior de Panahi, Isto Não é um Filme,
mas operando de uma forma muito mais subjetiva e silenciosa que só reforça a
dor de um homem calado em sua arte (em contraposição ao filme anterior que era
muito verborrágico também). 
Existe
nele uma série de referências e pequenos detalhes que enriquecem muito a
compreensão de uma obra por demais aberta e que essa primeira impressão nunca
será capaz de dar conta. Mas é muito interessante pensar na primeira metade do
filme como uma história possível que existe na cabeça do diretor, mas interrompida
pela própria dificuldade do cineasta em continuar com sua arte. E também
entender a figura do roteirista como um alter ego do próprio cineasta que luta
para concluir suas ideias, recebendo a visita de suas próprias criações.
É
um filme doloroso e tristíssimo por isso que representa, ao mesmo tempo que vislumbra
uma coragem muito grande em enfrentar uma situação tão difícil. É um filme
sobre a impossibilidade de fazer, já fazendo. Não do jeito que se quer, mas na
forma daquilo que lhe assalta naquele momento. Vislumbramos um cineasta acuado por
vários fantasmas que ele tenta espantar jogando na tela (e se jogando) como
quem resiste da melhor forma que encontra.
A Gaiola
Dourada

(La Cage Doreé, Portugal/França, 2013) 
Dir:
Ruben Alves
Se
o cinema português surge hoje como um dos mais prolíferos e interessantes numa
perspectiva mundial de novas e jovens cinematografias, tendo nas diferentes
marcas autorais um multiplicidade de posturas de fazer cinema e ver o mundo, e interessante
ver também que como o país produz e consome produtos mais populares, como esse A Gaiola Dourada.
Como
comédia a mais tradicional, o figura se ancora na própria tradição desse cinema
mais industrial francês, já que essa é uma coprodução entre os dois países.
Passa-se quase totalmente em terras francesas onde uma família de pais
portugueses se estabeleceu, fundou um núcleo familiar, mas carrega consigo as
marcas da sua cultura de origem. A coisa se complica quando eles recebem uma
herança milionária de um parente português que os obrigaria a voltar a morar em
Portugal para receber a bolada. 

É
o mote certo para render situações as mais divertidas com uma série de tipos esquisitos
que o filme propõe acompanhar. O problema é quando esse tom cômico surge da
forma mais banal possível, intensificando estereótipos, especialmente pátrios,
e tentando fazer rir com o trivial e certa ridicularização dos personagens. Não
é um filme que ofende muito, mas aposta numa comédia mais boba. Dado o enorme
sucesso de bilheteria que fez na França e em Portugal, não é difícil perceber
um produto popularesco.

2 thoughts on “Mostra SP – parte 5

  1. Realmente deve ser uma experiência única assistir a 2001 no cinema… espero poder fazer isso algum dia. Gostei bastante de sua análise do filme, concordo muito com essa sua interpretação.

    Abraços!

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