História monocórdia

Getúlio (Idem, Brasil, 2014)
Dir: João Jardim
Se o thriller político é um gênero ainda
pouco explorado no cinema brasileiro, Getúlio
é uma tentativa bem consciente nesse aspecto, ainda que suas pretensões
engessem a própria narrativa. Centrada nos últimos 19 dias do segundo governo
de Getúlio Vargas à presidência do país, culminando com seu suicídio no dia 24
de agosto de 1954, essa é a primeira incursão de João Jardim pela ficção,
apesar de seu longa anterior Amor?
ter flertado com a encenação do real.
Curioso
notar como Jardim utiliza aqui um recurso muito próprio do documentário: a
legenda que identifica as pessoas e o cargo que elas ocupam, na impossibilidade
de deixar claro quem é quem na (H)história, por lidar com uma gama enorme de
personagens. É dessa forma que Getúlio
expõe a maior de suas fragilidades: o tom didático, monocórdio na maneira como
precisa narrar um episódio importante da História do Brasil, sem deixar o
expectador perdido, mas também sem querer perder de vista a complexidade de
posições e movimentos no tabuleiro do jogo político que ali se desenha.
O
presidente (vivido por Tony Ramos sob uma competente transformação física, sem
exageros) passa a sofrer uma série de pressões depois que um de seus maiores
opositores, o jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), sofre um atentado
destinado a lhe tirar a vida, mas que acaba matando seu segurança pessoal. Isso
desencadeia uma série de investigações e conspirações, especialmente quando
descobrem que a ordem do atentado partiu da cúpula da segurança presidencial.
Os
meandros do jogo político, as intrigas e conspirações que envolvem o caso, são
explicitados da forma mais direta possível. O texto do filme tem de expositivo
tanto quanto os atores têm de presos pelas falas ensaiadas, sem muita
vivacidade. Não deixa de ser uma impressão forte o tom novelesco, elenco Global
marcando presença pesada. Não que isso seja um problema em si, mas parece
deslocado aqui. A própria história, com seus tantos desdobramentos e
personagens, cairia bem melhor numa produção seriada.
O longa
só se arrisca mesmo quando ensaia pequenas percepções psicológicas do
protagonista. Getúlio está cercado de gente que discute aquela situação, mas o
pensamento dele vagueia enquanto sons disformes chegam aos ouvidos (dele e
nosso). Nesse sentido, o personagem deixa, por alguns instantes, de ser uma
mera figura histórica e ganha ares de humanização, cada vez mais cansado, sem
saber em quem confiar, desiludido, vendo sua reputação sendo manchada, tendo
que segurar as pontas com autoridade. 

É uma pena que Jardim e seus roteiristas não consigam
trabalhar com mais ênfase essas nuances todas. Por outro lado, o filme tem um
grande prazer em se mostrar bem produzido, com figurinos e direção de arte apurados,
fotografia esbanjando presença na tela. Porém é uma roupagem que serve a um corpo
sem vida, tal qual será o destino final do protagonista.

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