Em um Bairro de Nova York

O som da vizinhança*

Em 2018, o diretor Jon M. Chu dirigiu Podres de Ricos, uma comédia de grande sucesso em que uma nova-iorquina de origem chinesa viaja para Singapura para conhecer a família do seu misterioso namorado – e descobre que ele é um dos ricaços mais cobiçados do continente asiático.

Os pais do cineasta são chineses, mas ele nasceu na Califórnia quando seus pais já estavam estabelecidos nos Estados Unidos. Ele faz parte, portanto, da geração dos filhos de imigrantes que, além de tentarem preservar seus costumes e cultura originários, se reconhecem também como norte-americanos.

Tudo isso parece capacitar Jon Chu a dirigir Em um Bairro de Nova York, filme que estreia agora nos cinemas brasileiros. Trata-se de um musical que se passa em Washington Heights, um bairro na área norte de Nova York marcadamente habitado por latino-americanos de diversas origens.

Ali encontramos Usnavi (Anthony Ramos), um jovem dono de uma pequena mercearia no bairro. Ele tenta economizar dinheiro para poder ter uma vida melhor, enquanto mantém um interesse amoroso na bela Vanessa (Melissa Barrera). A questão do dinheiro, aliás, é uma preocupação constante nos diversos personagens que passam pelo filme, todos em busca de uma vida mais segura e próspera em um país que ainda olha torto para que vem de fora.

Nesse sentido, os conflitos dos personagens são menos de ordem prática e mais situacional. Não há um vilão ou um perigo iminente a rondar por ali – apesar do calor crescente e do letreiro do filme indicar um apagão que acontecerá dali a poucos dias. Em um Bairro de Nova York acaba fazendo um retrato social contemporâneo de uma população de imigrantes (e de seus filhos) que, apesar de se reconhecerem como uma comunidade – todos os personagens parecem fazer parte de uma mesma grande família de cultura latina –, luta para firmar seu espaço (e sua existência) naquele ambiente.

É flagrante no filme como os próprios pequenos negócios dessas pessoas começam a ser ameaçados por empresas ou grupos maiores que começam a se estabelecer no bairro de uma cidade cosmopolita que cresce constantemente, atropelando os mais fragilizados. Nova York é a mesma cidade multiétnica dos Estados Unidos de há muito tempo, mas os problemas enfrentados agora são outros. Daí que a tentação e o desejo de partir dali, de sair e buscar oportunidades em outros espaços, parecem saídas mais dignas e possíveis.

Baila comigo

Sendo originalmente um musical da Broadway, Em um Bairro de Nova York já chega aos cinemas com essa pecha de sucesso – há de se observar como será sua passagem pelas poucas salas abertas no Brasil, enquanto nos Estados Unidos, com uma população já bastante vacina contra a covid-19, têm conseguido levar muita gente aos cinemas nessa fase de retomada.

O espetáculo musical é assinado por Lin-Manuel Miranda, também conhecido pelo grande sucesso Hamilton – que ganhou uma duvidosa versão em streaming que nada mais é do que a peça filmada. Nas mãos de Jon Chu, mesmo o diretor não tendo ascendência latino-americana, Em um Bairro de Nova York ganha uma energia realmente pulsante. Algo que mistura os ritmos latinos com as pegadas de rap e hip hop.

Tal vigor está muito associado a esse calor latino, dimensionado de modo literal no filme, uma vez que a trama se passa durante um verão escaldante. Os números musicais são empolgantes, tem aquela grandiosidade com muitas pessoas dançando juntas – nas ruas, nos salões, nas danceterias – e repleto de cores, como não poderia deixar de ser, apesar de alguns desses números se estenderem mais do que o necessário.

Em termos de trama, não há muito o que se extrair dos conflitos dos personagens para além da repetição do mote dos sonhos de ascensão e riqueza de cada um – há uma sequência divertida que envolve um bilhete de loteria premiado que deve pertencer a alguém ali da comunidade.

Ainda assim, o filme acaba se repetindo em torno de um mesmo assunto, e a própria trama dos protagonistas se desgasta. Usnavi e Vanessa formam um belo casal, mas o filme insiste em dificultar a concretização desse relacionamento que soa mesmo frágil em termos de desenvolvimento dos personagens.

O sonho de ficar

Mais interessante certamente é o drama de Nina (Leslie Grace), uma jovem que saiu da comunidade para estudar na prestigiada universidade de Stanford, mas que agora retornou para Washington Heights um tanto desiludida – não encontrou ali naquele ambiente elitista seu real espaço de independência e de reconhecimento aos olhos dos outros. E quando ela retorna ao bairro natal, as coisas estão muito mudadas.

O que move os personagens – seus sonhos e anseios de uma vida próspera ao lado dos seus – mais do que puramente enriquecer é o desejo de poder ficar, de serem reconhecidos como os estadunidenses que são. Nesse sentido, o filme espelha uma demanda social contemporânea oposta àquela dos primeiros imigrantes. Estes queriam chegar à tão sonhada América para fazer dinheiro e depois retornarem para suas cidades de origem.

Seus filhos, por outro lado, pensam diferente. O pai de Nina, por exemplo, acha que faria bem à filha vender o pequeno negócio de serviço de transporte particular para ajudar a garota nos seus estudos futuros, quando o que ela mais deseja é voltar às suas raízes e construir uma vida estável ali, uma vida possível e feliz.

Em um ano em que Chloé Zhao, uma cineasta chinesa radicada nos Estados Unidos, vence a principal categoria do Oscar e o prêmio de direção com um filme essencialmente norte-americano como Nomadland, é de se pensar que os imigrantes e seus filhos, cada vez mais arraigados a esta terra, vieram mesmo é para ficar.

Em um Bairro de Nova York (In the Heights, EUA, 2021)
Direção: Jon M. Chu
Roteiro: Lin-Manuel Miranda e Quiara Alegría Hudes

*Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 20/06/2021)

 

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