Autoterapia

Um Método
Perigoso

(A Dangerous Method, Reino Unido/Canadá/Alemanha /Suiça, 2011)
Dir:
David Cronenberg

Por
mais que esse filme pareça um corpo estranho na obra bastante coesa de David
Cronenberg (não há escatologia, vísceras, cabeças explodindo, nem violência
gráfica), faz bastante sentido dentro do projeto de cinema do diretor
canadense. Para quem construiu uma filmografia, dentre outras coisas, que provoca
no espectador a vontade em ver o grotesco, é bastante interessante tentar
entender de onde vem essa fascinação.
Assim,
os embates intelectuais dos inicialmente amigos Freud e Jung em torno da
construção e florescimento da psicanálise surgem como uma luz possível para
explicar essa adoração pelo estranho. Mas principalmente, como a violência pode
causar interesse e, mais forte ainda, satisfação nas pessoas. Pois é justamente
esse o caso de Sabina Spielrein (vivida por uma afetada Keira Knightley),
paciente que chega a Jung sofrendo de histeria. Os conflitos de neurose da moça
têm origem na estranha excitação que ela sentia quando o pai lhe espancava
quando criança.
Num
sentido mais subjetivo e interpretativo, funcionando quase como um subtexto no
filme, esse seria justamente o paralelo com a própria obra do diretor
(fascinação pela violência). Assim, uma visão possível do filme é de que ele
funciona quase como um exercício de autoterapia do cineasta, presente para seus
expectadores e fãs. Mas de uma forma mais geral e perceptivelmente objetiva, Um Método Perigoso marca o encontro
desses dois grandes pensadores do inconsciente e os embates ideológicos que mantiveram.
Nesse
sentido, o filme é bastante clássico ao apresentar esses personagens e seus
conflitos científicos, sendo o que realmente importa aqui. O grande problema do filme
é que, por mais que nada pareça estar fora de lugar, não parece haver grandes
motivações a se acompanhar. De certa forma, isso é prejudicado por um roteiro
que possui alguns saltos no tempo, interrompendo determinados conflitos que
estavam sendo fechados para se deter em outros, muito próximos entre si, mas
ainda assim fica a sensação de brusquidão e irregularidade.
E
se a composição da personagem de Keira Knightley parece inicialmente exagerada
demais, caindo em um overacting que
beira o ridículo, a coisa pode ser vista pelo prisma justamente da subversão.
Seria uma maneira de Cronenberg, nesse filme mais “comportado”, dar vazão às
pulsões psicológicas que modificam e violentam o corpo, marca autoral dos
trabalhos do diretor canadense. Mesmo assim, não parece funcionar como
representação de alterações do físico, além de estarem muito além das
atrocidades que já vimos em seus filmes (mesmos nos mais classe A, dos últimos
anos, como Marcas da Violência e Senhores do Crime).
Por
outro lado, as composições classudas de Viggo Mortensen e Michael Fassbender,
respectivamente Freud e Jung, criam figuras dotadas de autoridade, bem contidos
na representação dos homens sérios que eram. Da mesma forma, a direção de
Cronenberg ganha um estranho ar de classicismo, seriedade e, consequentemente,
de limpeza. Não que isso se torne um demérito porque toda a construção
narrativa é bastante coerente e sólida, como o filme pede. Só não contém riscos.
Assim,
em Um Método Perigoso, tudo parece
estar posto com muita facilidade. Existe respeito para com os acontecimentos
históricos e os personagens, os fatos são claros, as discussões estão ali
apresentadas, seus desdobramentos são claros. Mas soa tudo muito sem
personalidade, frio. No fim das contas, é um filme sem tesão. Justo esse,
Cronenberg?

5 thoughts on “Autoterapia

  1. Cronenberg talvez precisou através do filme se encontrar, por mais que negue publicamente. Acho que esse filme não difere muito do Jornada da Alma. Cynthia

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    O Falcão Maltês

  3. Cynthia, não sei se ele realmente precisava (por questões de saúde mental, rsrs), mas a questão é que faz bastante sentido dentro da filmografia dele essa tentativa de compreensão. Quando digo "autoterapia" é mais para situar o filme dentro da carreira mesmo. Já esse italiano Jornada da Alma eu não vi.

    Então Antonio, esse filme é bastante diferente dos demais do Cronenberg. Com certeza vai estranhar, mas muita gente tem gostado.

    É Matheus, o conceito de atuação que deram à Knightley não é dos mais acertados mesmo. No fim, é difícil imaginar que aquela mulher problemática tenha se tornado uma grande psicanalista, por mais que isso seja totalmente real. Acho que falta mais personalidade ao filme, o que o deixa assim genérico mesmo.

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