Aspereza do mundo

The Rover – A
Caçada

(The Rover, Austrália/EUA, 2014)
Dir:
David Michôd

Com
Reino Animal, David Michôd, estreando
no longa de ficção, filmou uma família sem escrúpulos, ligada à máfia, recheada
de gente vil, ainda que à primeira vista não parecesse assim. Agora, o diretor
amplia o sentimento de sordidez porque, em The
Rover – A Caçada
, toda uma sociedade já deixou para trás a dignidade, o senso de moral
e nada é mais mascarado. Não há mocinhos ou bandidos e alguns poucos tentam
sobreviver com seus princípios, escondidos dos demais.
Os
personagens que povoam esse mundo distópico – num registro bem realista e
endurecido que ganha corpo na paisagem desértica da Austrália – vivem como numa
terra sem lei, depois que um colapso econômico abalou o mundo. É aí que
encontramos Eric (Guy Pearce), o rosto marcado pelo tempo e pela brutalidade,
solitário e destemido. Quando tem seu carro roubado por um grupo de pequenos
ladrões durante uma fuga complicada, ele parte ao encontro cego dessa gangue a
fim de reaver seu bem.
Nesse
cenário westerniano, no entremeio entre o filme policial com toques de história
apocalíptica, o que Michôd faz de melhor é construir uma atmosfera infame,
suja, onde a violência é palavra de ordem. Trilha sonora pontual e evocativa ajuda
muito nessa construção de algo fora do lugar. Mas apesar de um filme de perseguição, há algo de
anticlimático na forma vagarosa como o tempo passa, no fluxo lento de ritmo, reflexo
próprio do paradeiro que se tornou o mundo depois da crise.
Não
deixa de ser um registro um tanto incomum para esse tipo de história, e ainda
que se sustente bem como atmosfera, o filme se arrasta um tanto e perde força
quando tenta dimensionar os personagens. O discurso de Eric na
cadeia, por exemplo, é expositivo, maneira de revelar a brutalidade de um homem
que, pelos seus atos agressivos e atitude dura, já se revela por si só uma
pessoa que perdeu a fé na humanidade – perdendo a própria humanidade (e há um
subtexto muito interessante revelado na exata cena final que torna essa atitude
diante do mundo mais triste – e trágica – ainda).
E
mesmo o encontro do protagonista com Rey (Robert Pattinson) surge como uma
facilidade que o roteiro nem sempre dá conta de sustentar. Irmão de um dos integrantes
do grupo de foragidos, abandonado em meio à fuga alucinada, Rey passa a ser a
isca de Eric para encontrar os demais. Revela-se um personagem infantilizado, o
caçula renegado pela “família” de criminosos, único amparo num universo hostil. 

Aliás, os dois atores carregam seus personagens com muita
vibração, Pattinson surpreendendo na forma como nos faz crer na vulnerabilidade
– física e psicológica – daquele garoto no meio de homens duros. Pearce, ainda
que permaneça no mesmo tom, estabelece de cara a força de seu personagem. No fim
das contas, The Rover está, ele
mesmo, sempre no mesmo tom, apostando na aspereza das relações humanas e nessa apatia
sangrenta, inescrupulosa, que tomou conta do mundo.

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