7 Prisioneiros

Ainda nos dias atuais são noticiados nos jornais casos de trabalho análogos à escravidão, prática criminosa que acompanha um passado cruel de formação do Brasil. Com 7 Prisioneiros, o diretor Alexandre Moratto adentra nesse universo para contar a história de jovens do interior paulista que são cooptados para trabalharem em um ferro-velho na capital, para depois descobrirem que os sonhos de um emprego digno e a possibilidade de ajudarem suas famílias não passa de armação.

O filme já está em cartaz nos cinemas, mas é uma produção original da Netflix e entra no catálogo da plataforma de streaming a partir desta quinta-feira. Rodrigo Santoro vive o patrão Luca, dono do ferro velho, além de estar envolvido numa série de esquemas fraudulentos e negócios criminosos. No entanto, o verdadeiro protagonista da história é Mateus (Christian Malheiros), um jovem negro que nunca conheceu a cidade grande e fica encantado pela oportunidade de um emprego em São Paulo, até se deparar com a dura realidade que irá enfrentar junto com outros garotos desencantados.

7 Prisioneiros é um filme muito direto ao denunciar o tema do trabalho escravo na atualidade. Muito rapidamente, ao chegarem ao local de serviço, os garotos vão perceber que sua liberdade é cerceada, a jornada de trabalho é cruel, as condições de permanência (alimentação, higiene, dormitório) são precárias, fora os desmandos, ameaças e atos de violência física cometidos por Luca e seus funcionários.

Em um primeiro momento, o filme opera no campo do maniqueísmo porque é impossível que Luca e seus capangas não encarnem o mal e a vilania daqueles que oprimem, dentro de um contexto muito cruel e que parece muito maior do que aquele visto no ferro velho – em dado momento, o filme apresenta outros garotos em mesma situação e que são estrangeiros, revelando que a rede de cooptação e rapto dos menores é muito mais ampla do que se imagina.

Mas há uma virada no discurso do filme que amplia sua experiência para outros horizontes. Primeiro porque o personagem de Santoro vai ganhando aos poucos camadas mais complexas que revelam a sua formação e mentalidade – ele mesmo se mostra um funcionário que deve obediência a patrões mais graúdos, dentro de um esquema em que ele não é a ponta da cadeia de exploração humana, apenas mais uma de suas engrenagens.

Porém, a grande sacada de 7 Prisioneiros está na transformação de Mateus. Inicialmente um mero empregado em regime de escravidão forçada, Luca vai oferecendo ao garoto oportunidades para que ele oprima os demais colegas, torne-se ele mesmo um vilão, espécie de capitão do mato nos tempos modernos. Aqui, o filme amplia a discussão moral sobre os efeitos do poder e do desmando e oferece ao protagonista um dilema ético ao mesmo tempo complexo e perverso.

Aposta

Estreado no Festival de Veneza, na seção paralela Orizzonti, 7 Prisioneiros foi muito bem recebido pelo público e crítica. Na ocasião, falava-se numa aposta para o Oscar, pois além do tema de viés social e tom denuncista, o filme ainda tinha o suporte e todo o engajamento de campanha e visibilidade da Netflix.

Soma-se a isso o fato de ser protagonizado por Rodrigo Santoro, um ator conhecido em Hollywood, e ainda ser produzido por Fernando Meirelles, também com uma carreira internacional consolidada, e pelo produtor e cineasta Ramin Bahrani, diretor do longa O Tigre Branco. O filme, no entanto, não foi escolhido para representar o Brasil na corrida para a estatueta dourada – opção que coube a Deserto Particular, de Aly Muritiba.

De qualquer sorte, 7 Prisioneiros tem tudo para fazer sucesso nos cinemas e na plataforma online, uma vez que o tema de verniz social e o tratamento direto e objetivo do filme sejam uma boa aposta de comunicação com o público. Esse é apenas o segundo longa de Moratto, que já havia feito o drama social Sócrates (protagonizado pelo mesmo Christian Malheiros), e continua agora lidando com assuntos espinhosos, mas dentro de uma narrativa palatável e com alguma complexidade no tratamento de seus personagens.

7 Prisioneiros (Idem, Brasil, 2021)
Direção: Alexandre Moratto
Roteiro: Alexandre Moratto e Thayná Mantesso

Publicado originalmente no jornal A Tarde (edição de 10/11/2021)

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